A floresta portuguesa tem sofrido profundas transformações ao longo das últimas décadas, impulsionadas por fatores como a falta de ordenamento florestal, os incêndios recorrentes e a proliferação de espécies invasoras. A introdução destas espécies em Portugal, muitas vezes com fins económicos, como a produção de madeira e pasta de papel, alterou significativamente a composição e o equilíbrio dos ecossistemas florestais. No entanto, estas espécies, quando não são devidamente geridas, tornam-se problemáticas, comprometendo a biodiversidade e aumentando o risco de incêndios florestais.
O município de Oliveira do Hospital exemplifica bem esta problemática. Desde os incêndios devastadores de 2017, que consumiram cerca de 90% da área florestal do concelho, tem-se verificado uma recuperação descontrolada da vegetação, marcada pela proliferação de espécies invasoras como a mimosa (Acacia dealbata) e o eucalipto (Eucalyptus spp.). Estas espécies, altamente resilientes e com grande capacidade de dispersão, encontram nos solos degradados e na ausência de gestão florestal um ambiente propício para a sua expansão. O impacto deste fenómeno é preocupante, uma vez que povoamentos monoespecíficos de espécies invasoras reduzem a diversidade biológica e favorecem a continuidade de combustível, aumentando a frequência e intensidade dos incêndios.
O grande desafio para qualquer cidadão preocupado com o futuro da floresta passa por promover uma transição para um modelo florestal mais resiliente e sustentável. Idealmente, o período pós-incêndio de 2017 teria sido uma oportunidade para reordenar o território com espécies autóctones e adaptadas às condições ecológicas da região. No entanto, a concretização desta mudança enfrenta diversos obstáculos.
Estrutura da floresta portuguesa dificulta gestão da paisagem
A principal barreira reside na estrutura fundiária da floresta portuguesa: cerca de 92% das áreas florestais pertencem a proprietários privados, muitos dos quais não dispõem de recursos financeiros, conhecimento técnico ou motivação para gerir os seus terrenos de forma sustentável. Além disso, uma grande parte destes terrenos encontra-se ao abandono, sem que os respetivos proprietários sejam identificados. Esta fragmentação do território impede uma gestão eficiente da paisagem, permitindo que espécies invasoras se disseminem livremente e criando vastas áreas de acumulação de material combustível. A escassez de mão de obra especializada e o elevado custo das operações de gestão florestal agravam ainda mais este problema, tornando a recuperação da floresta uma tarefa extremamente complexa.
Dado este cenário, a questão central já não se foca apenas na erradicação das espécies invasoras, mas sim na adaptação à sua presença e no desenvolvimento de estratégias de contenção e mitigação dos seus impactos. A eliminação total destas espécies é praticamente inviável, pelo que se torna essencial encontrar soluções inovadoras para minimizar os riscos associados à sua proliferação e, ao mesmo tempo, promover um uso sustentável do território.

Vale do Alva não ficou imune a espécies invasoras
O Vale do Alva, um dos maiores símbolos paisagísticos do concelho de Oliveira do Hospital, não escapou a este fenómeno. A falta de gestão florestal ao longo das últimas décadas permitiu a expansão descontrolada de espécies invasoras, como as mimosas, que rapidamente colonizaram os terrenos abandonados. Este cenário reflete-se na paisagem atual, onde a continuidade de combustível – tanto vertical como horizontal – é uma preocupação crescente, não só no Vale do Alva, mas em vastas áreas do país. Esta acumulação de combustível é um dos principais fatores de risco para a ignição, propagação e velocidade dos incêndios florestais.
Neste contexto, a instalação de um parque fotovoltaico numa área aproximada de quatro hectares surge como uma solução que merece ser analisada. Importa clarificar que este projeto não pretende transformar as encostas do Vale do Alva num espaço dedicado à produção de energia solar em larga escala, mas sim aproveitar uma área já degradada, dominada por espécies invasoras e matos sem qualquer tipo de gestão. Assim, a implementação deste projeto não só contribuirá para a produção de energia renovável, como poderá desempenhar um papel na contenção do avanço das mimosas e na redução do risco de incêndio.
A escolha desta área para a instalação do parque fotovoltaico é fundamentada pelo facto de que os 3,6 hectares a serem intervencionados não apresentam qualquer presença significativa de espécies autóctones. Pelo contrário, trata-se de um espaço dominado por espécies invasoras e terrenos incultos, cuja regeneração natural está a ser monopolizada por espécies de rápido crescimento e elevado potencial inflamável. A instalação dos painéis solares, associada a medidas de manutenção adequadas, poderá inibir o crescimento descontrolado destas espécies, criando um modelo alternativo de gestão do território.
A implementação deste tipo de soluções levanta inevitavelmente questões sobre a melhor forma de gerir o território. Há quem defenda que, em vez da instalação de painéis solares, se deveria apostar na gestão de combustíveis e na recuperação da paisagem com espécies nativas. No entanto, esta visão ignora um dos principais desafios da floresta portuguesa: a grande maioria dos terrenos é de propriedade privada e não existem mecanismos legais que permitam a intervenção direta do Estado ou de terceiros em áreas abandonadas.
Se Portugal tivesse um regime fundiário diferente – com uma maior proporção de floresta pública ou com leis que permitissem a intervenção em terrenos sem dono conhecido –, talvez a solução ideal passasse pela reflorestação e gestão ativa da vegetação. Contudo, na realidade atual, muitas dessas áreas permanecerão sem intervenção, perpetuando os problemas estruturais que tornam a floresta portuguesa vulnerável a incêndios.
É fundamental reconhecer que a instalação de parques fotovoltaicos não deve, em circunstância alguma, servir como justificação para a reconversão indiscriminada de áreas florestais. No entanto, em casos como este, onde a área em questão já se encontra profundamente degradada e dominada por espécies invasoras, este tipo de solução pode representar uma oportunidade para um uso mais sustentável do solo.
O debate sobre a gestão florestal e a ocupação do território deve ser conduzido com base em evidências científicas e num equilíbrio entre conservação ecológica e desenvolvimento sustentável. A instalação do parque fotovoltaico no Vale do Alva pode não ser a solução perfeita, mas apresenta vantagens claras num contexto onde a alternativa seria a perpetuação do abandono e da degradação ambiental.
Mais do que discutir se o projeto deve ou não avançar, importa refletir sobre como este pode ser integrado numa estratégia mais ampla de gestão do território, que combine a produção de energia renovável com medidas de recuperação ecológica. O verdadeiro desafio passa por encontrar modelos que permitam coexistir o desenvolvimento económico, a sustentabilidade ambiental e a resiliência dos ecossistemas florestais, assegurando um futuro mais seguro e equilibrado para a floresta portuguesa.