A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, admitiu que Portugal pode voltar a enfrentar uma nova vaga da pandemia de covid-19 nos próximos meses, mesmo com a atual campanha de vacinação em curso.
“Uma nova escalada do vírus está em cima da mesa, mesmo com a vacina”, reconheceu Graça Freitas, numa entrevista à RTP3, sublinhando: “O vírus sofre mutações. Não estamos livres disso, apesar da vacina. E não sabemos quanto tempo vai durar a imunidade, se vai proteger contra novas variantes ou como vai funcionar a imunidade natural”.
Questionada sobre os critérios de avaliação que devem orientar a definição do plano de desconfinamento, Graça Freitas realçou a diversidade de metodologias adotadas entre os países e salientou que não existe uma “receita” única pela qual todos podem copiar. Porém, não deixou de apontar a primazia de quatro critérios.
“Os quatro indicadores que estão a ser mais ponderados – e que não excluem outros – são: incidência cumulativa a 14 dias, taxa de positividade, ocupação de camas em unidades de cuidados intensivos e o Rt [índice de transmissibilidade]”, frisou. A este nível, sublinhou que Portugal está com um Rt “baixo” e com “uma taxa de positividade inferior a 4%”, mas relembrou a situação preocupante em internamentos e confessou que é ainda preciso “baixar um bocadinho” a incidência.
“Temos de consolidar todos estes valores e esperar ainda que alguns deles melhorem. Gostaríamos que a incidência baixasse mais para termos mais conforto. É preciso ter alguma cautela. Estes desconfinamentos nos outros países também estão a ser faseados”, notou.
Entre as maiores preocupações do confinamento está o encerramento das escolas e as consequências que esta situação pode ter nos alunos, com Graça Freitas a vincar que “a cautela aconselharia a que fosse uma abertura faseada, começando pelos graus de ensino com alunos mais novos”, embora tenha assinalado que não é uma decisão da sua responsabilidade.
A responsável da DGS assegurou que está previsto o arranque da testagem nas escolas com a retoma das atividades letivas e que os rastreios podem ser alargados em função do que for encontrado, mas deixou uma mensagem aos especialistas que defendem a testagem maciça como a solução para o combate à pandemia: “Os testes não são tratamentos nem vacinas”.
Já sobre a vacinação, Graça Freitas reconheceu que “o primeiro trimestre vai ficar aquém das expectativas”, por força da falta de disponibilidade de vacinas, mas mostrou esperança no cumprimento da meta de 70% da população do país vacinada até final de agosto. Quanto a um eventual alargamento da utilização da vacina da AstraZeneca a pessoas com mais de 65 anos, a diretora-geral da Saúde não exclui a revisão que já está a avançar em alguns países.
“À medida que vamos tendo mais informação de outros países, não o pomos de parte, porque permite vacinar mais rapidamente grupos mais velhos”, disse.
Depois de passar em revista um ano de pandemia no país, que considerou ter sido “muito intenso” e “trágico”, durante o qual assumiu ter tido “momentos” em que pensou em desistir, Graça Freitas lamentou os “números açambarcadores” de mais de 16 mil mortos e 800 mil casos associados à covid-19, em especial o drama vivido no último mês de janeiro, em que Portugal bateu máximos de óbitos e infeções.
“Aconteceu uma avalanche. Juntaram-se alguns fatores importantes e, por vezes, não se consegue prever a sinergia dos fatores. Tínhamos uma nova variante a circular, que aumenta a velocidade de propagação, estávamos no inverno e tivemos temperaturas extremamente frias, mas não havia uma previsão com uma dimensão destas. O que esperaríamos era uma terceira onda um bocadinho maior do que a segunda. O rasto que deixou é devastador”, concluiu.
Num ano “intenso” de Covid, Graça Freitas confessa que pensou em desistir
Um dos principais rostos da liderança no combate à pandemia de Covid-19, Graça Freitas confessa que que este foi um ano “intenso” e que chegou a pensar em desistir durante “momentos”.
Ao descrever este ano, a responsável não tem dúvidas na escolha das palavras que o caracterizam: “Intenso, é a primeira palavra que me ocorre. Insone, dormi muito pouco. Foi um ano de grandes emoções, de muito trabalho, de muita preocupação”.
Questionada se equacionou abandonar o cargo, Graça Freitas revelou que teve “momentos em que sim”, em que pensou em “desistir”, porque estava “muito cansada e este foi um ano muito intenso”. Pensava que “outras pessoas poderiam fazer melhor”, mas esse pensamento “não durava muito tempo” e rapidamente se dissipava.
Ao percorrer as memórias deste ano, a diretora-geral da saúde recordou o pior dia, que situa “em janeiro [de 2020], quando li um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as cadeias de transmissão”. No documento, a OMS antecipava que havia cadeias de transmissão secundárias e “percebi que, mais tarde ou mais cedo, íamos ter uma pandemia. Esse dia marcou uma viragem. Percebi que teríamos um problema grave”.