Obrigado por me darem o privilégio, o orgulho e o gosto de me juntar a vocês nesta celebração do 25 de Abril, que considero o dia mais importante e definidor da nossa história enquanto povo e nação. O dia que nasceu para que fôssemos livres e tivéssemos o direito de sermos quem somos. O direito de sermos quem quisermos ser.
Deixem-me dizer-vos que me sinto grato por cada segundo que passo na vossa companhia, porque entre as muitas coisas que sou, distinguem-se efetivamente aquelas que quero ser: e sempre quis ser, de forma afirmada e persistente, algo que quem me conhece seja capaz de perceber e reconhecer – Sempre quis ser uma pessoa do concelho de Oliveira do Hospital. Nasci e cresci aqui, mas podia ter decidido ser de outro lado qualquer, por entre os caminhos que a vida nos faz seguir. Quis ser daqui, continuar sempre a ser daqui.
É por isso que sou agradecido por estar aqui hoje, perante esta Assembleia que representa todos e cada um dos habitantes e naturais deste território. Porque é aqui, de entre todos os lugares, o sítio onde me sinto melhor. É aqui, entre os nossos, que me realizo enquanto cidadão. É na amizade que nutro por tanta gente… no abraço e na estima de quem me viu crescer, ou no orgulho incontido que sinto por todos os que vejo agora fazerem o seu caminho, lutarem pelas suas conquistas, levando mais longe o nome da nossa terra.
Talvez nem todas as pessoas percebam como é que estes sentimentos se ligam ao 25 de Abril e, por isso, vou tentar partilhar convosco porque é que acredito que sim. Então: os princípios que a Revolução nos legou há 51 anos não são estanques, imutáveis ou adquiridos – precisam de constante luta e reinvenção.
E, entre todas as qualidades (e os poucos defeitos) que temos enquanto oliveirenses, para mim há uma que sobressaiu sempre. – Nós lutamos.
Perante a adversidade, as dificuldades que nos impõem (ou que não nos resolvem), nós lutamos. Não nos resignamos, não nos entregamos à tristeza, não ficamos quietos perante a desgraça que nos vitima. Em 2017, por exemplo, quando parecia que nos tinham queimado para sempre, renascemos. Com vigor, fulgor e esperança.
Abril inspira-me. Como me inspira a luta de quem trabalha com honestidade, mas sobretudo com arte e engenho, e amor ao que faz, nas fábricas que dão ao planeta os tais que são os melhores fatos do mundo. A persistência e disciplina de quem leva as ovelhas a pastar, sem férias ou pausas, pelo fresco da madrugada, para que as mãos geladas das queijeiras depois façam nascer o queijo que todos chamamos de nosso.
O empreendedorismo e garra de quem investe neste território mesmo sabendo que há dificuldades à partida, nomeadamente o eterno problema das acessibilidades e das vias de comunicação. Mas que acredita que vale a pena apostar aqui, neste sítio de paisagens deslumbrantes e inexploradas, e nas qualidades e capacidades destas nossas gentes com vontade de ferro.
Quando nos colocamos frente a frente perante estas dificuldades, há quem tente convidar-nos a deitar fora tudo o que conquistámos nestes 51 anos: como se tivéssemos ido longe demais nos direitos, liberdades e garantias… e que fosse isso que nos está a atrapalhar.
Que tudo seria melhor se todos tivéssemos menos a exigir, se andássemos menos à vontade, se aceitássemos que, para uns vencerem, outros têm que perder, que para uns crescerem, têm outros de encolher. Esta é a visão dos que são inimigos da cidadania emancipada e dos cidadãos livres e donos da sua própria vontade.
A quem nos diz que nos devemos conformar, que devemos fazer os outros cair para ver se nos mantemos à tona num mundo de exploração, devemos dizer não. Perante os constrangimentos ou os problemas, não devemos querer menos, devemos lutar mais. Lutar mais por Mais Abril.
As soluções não passam por pensar que, há 51 anos, fomos demasiado ambiciosos. Não fomos. E, permitam-me dizer-vos, não somos ainda. Devemos ser mais ambiciosos, sem medo de querermos, sem medo de sonharmos.
Devemos ter ambição para que o Serviço Nacional de Saúde, que tantas vezes nos orgulha na comparação com tantos outros sistemas de saúde no mundo, tenha uma administração competente e eficiente, aliada a uma gestão dos recursos humanos que permita fazer face às insuficiências existentes, para que o investimento que é feito na saúde resulte em benefícios para todos nós. Em todo o país. No Interior ou Litoral. Nas cidades ou nas aldeias. Para que ninguém ande aflito à procura de uma consulta de especialidade que só consegue a uma hora de distância, ou pagando mais do que pode. Para que nenhuma pessoa fique durante anos sem médico de família.
Porque a Constituição de Abril prometeu-nos que todos teríamos direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. E não devemos esperar menos que isso: devemos querer mais. Querer mais Abril. Ou achamos que se faz um país com futuro quando, perante a doença, apenas os mais afortunados tiverem a esperança de se curar, de se tratar, de ter assistência e apoio?
Neste dia 25 de Abril de 2025 em que estamos aqui a conversar, há também milhões de jovens portugueses que continuam sem conseguir fazer contas à vida para arrendar ou comprar uma casa. “Será que vamos conseguir deixar a casa dos pais? Será que vamos ter de partilhar casa toda a vida? Será que consigo pagar a prestação do empréstimo? Será que os juros não me vão lixar a vida?”, perguntam-se.
A Constituição de Abril diz que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Não é exigir muito. Diria que é esperar o mínimo. E por isso, não podemos esperar menos, temos de querer mais: para podermos fixar jovens aqui, para podermos dar-lhes esperança de construírem um futuro e uma vida familiar aqui. Precisamos que se invista e intervenha mais para que se concretize Mais Abril; para repovoarmos o país, com equilíbrio e coesão territorial, com incentivo à requalificação e ao aproveitamento de infraestruturas já existentes.
Portugal deu, também, nestes 51 anos, um pulo na educação e nas qualificações. Eu ainda sou do tempo em que se dizia que 18 anos de escolaridade obrigatória era demais, e que havia quem não tivesse sido feito para a escola, como se algumas pessoas, pela sua origem, ou pela riqueza que os pais tinham, tivessem de ser obrigadas a ir trabalhar o mais rápido possível. Ainda bem que esse tempo acabou.
Também ainda me lembro quando se tratava o ensino profissional como um verbo de encher, desperdiçando o que temos conquistado nos últimos anos e podíamos ter tido muito antes: trabalhadores competentes em áreas necessárias para todos nós, a fazerem o que gostam, depois de um ensino que os preparou com efetividade para exercerem funções de forma qualificada.
E todos sabemos que chegar ao Ensino Superior, que hoje já começa a ser uma realidade para muita gente, era um privilégio acessível a poucos. E, felizmente, hoje temos aqui a ESTGOH à porta de nossa casa. Também tivemos de lutar por isso, não me esqueço.
No entanto, muitas destas famílias só mesmo nos últimos anos é que viram os seus filhos e netos a chegar pela primeira vez à Universidade. E com dificuldade. Muitos, para conseguirem estudar o que querem, fazem das tripas coração, perante uma rede de instituições de ensino superior que é nacional e que assume a ambição de querer atrair estudantes de todas as zonas do país, mas não investiu condignamente em residências de estudantes e noutras infraestruturas de apoio social.
Perante isto: devemos pedir menos? Devemos exigir menos? Não. Porque ainda há muito por fazer… o que queremos é mais Abril.
A saúde, a habitação e a educação são só três exemplos de áreas onde devemos lutar por mais. No entanto, mais do que pedirmos, temos mesmo de fazer mais, de propor mais, de estar do lado da solução. As sociedades em que vivemos precisam de participação e empenho.
Vivemos hoje na realidade do comentadorismo: nas televisões, nas redes sociais, abundam comentadores com frases sonantes e fatais sobre a realidade em que vivemos. Por haver tanta gente que comenta, mas pouco faz, devemos nós também refletir: ambicionamos só ser comentadores? Espectadores atentos, mas apenas espectadores, de uma realidade que temos o direito e o dever de construir por nós?
Se a associação da nossa terra precisa, se a comissão de festas não tem gente, se o clube não tem direção, se a junta de freguesia podia trabalhar melhor, vamos só ficar a comentar? Ou vamos cumprir Abril e agir?
Em Oliveira do Hospital, desde tenra idade, aprendi que para sermos respeitados, não basta falarmos, é preciso fazermos. Não nos iludamos: há quem ganhe fama a falar, mas o valor de cada um de nós, do nosso país e nação, estará sempre no que conseguirmos concretizar. Com justiça, igualdade, e em plena liberdade de pensamento e ação. A cada dia, querermos mais, não nos contentarmos com menos, inspirarmos cada um dos nossos amigos, dos nossos concidadãos, a fazer mais.
Há 51 anos, o 25 de Abril derrubou o regime fascista, libertou Portugal da ditadura e da opressão, e foi a base para que a sociedade portuguesa se transformasse, para que todos nós crescêssemos livres, sem amarras. E também para que deixássemos de nos vermos como pequenos, sozinhos e condenados a mirar ao longe uma épica grandeza histórica que nos deixava diminuídos perante a vida miserável de todos os dias.
Portugal tem história, uma história de descoberta, conquista e exploração, não isenta de erros, alguns deles graves, mas a sua monumentalidade não advém da ambição que tiveram os nossos antepassados; materializa-se no inconformismo que formos capazes de manter hoje. De continuarmos a fazer muito com pouco, de sermos os inventores de um dos mais belos conceitos do mundo – o desenrasque. E termos sido capazes de o transmitir a outros povos, noutras latitudes, onde também lhe chamam o “jeitinho”. E de usarmos esse jeitinho para formarmos alguns dos mais capazes humanos que hoje vivem no mundo, produzirmos inovações que transformam a maneira como vivemos, e sermos reconhecidos em toda a parte pela maneira especial e autêntica como recebemos quem decide visitar-nos ou fica a viver no nosso país.
A existência de Portugal, aqui encravado numa pontinha da Península Ibérica, desafiou muitas vezes as mais convencionais regras sobre a independência de um país ou sobre a sua capacidade de subsistência perante um vizinho grande e guloso, mas foi graças à sua maleabilidade e capacidade de transformação, também conhecida como o tal desenrasque, que se garantiu que esta improvável e frágil existência se consubstanciasse, afinal, nas mais antigas fronteiras estabelecidas em toda a Europa, desde 1297. Um país que vence sempre que se multiplica na sua diversidade, e que se potencia com as influências que traz do mundo e que o mundo traz até si, como acontece há séculos e séculos. E que perde sempre que se quer isolar. Há 51 anos, quando derrubámos o Estado Novo, vencemos perante os que cultivavam a tacanhez e o divisionismo para subsistirem, donos e senhores de tudo, a cavalgar às costas da miséria do pobre.
Falei-vos hoje do orgulho que tenho em ser de Oliveira do Hospital. Não somos todos iguais, não concordamos todos uns com os outros, mas acredito que partilhamos todos deste sentimento, desse orgulho, às vezes quase guardado em segredo. Sinto que, às vezes, há algum medo em assumir de forma desabrida que gostamos do que é nosso, e que amamos a nossa terra. Porque é mais fácil pensar em tudo o que não é perfeito, do que estimar e abraçar tudo o que construímos de bom, mesmo que não seja imaculadamente perfeito e intocável.
Para todas as vezes que olharmos e acharmos: não é suficiente, podia ser melhor, não gosto disto assim, acho que o segredo é pensarmos no que Abril nos ensinou nestes 51 anos. Se ainda não chegámos lá, caminhemos, lutemos. Se a construção não é perfeita, remodelemos. Aqui em Oliveira do Hospital, temos connosco uma história feita de grandes pessoas. Não de individualidades, famosos ou celebridades, mas de boas e grandes pessoas. A fama é efémera, mas o legado é eterno.
Isaac Newton escreveu, em 1675, uma carta a um rival em que dizia que, se conseguiu ver mais longe, foi por estar “sobre ombros de gigantes”. É exatamente por isso que daqui, do sopé da Serra da Estrela, olhamos com visão panorâmica: estamos alçados no legado que deixaram os que vieram antes de nós, e são eles quem, também, temos de honrar.
Andamos hoje nos caminhos que traçaram, com sacrifício e trabalho, para que seguíssemos. E não podemos conformar-nos com menos, para honrarmos o sacrifício de todas e todos os que, há cinco décadas, não tinham quase nada, e lutaram para construir tudo. Temos de querer mais. Haverá sempre novos caminhos por abrir e desbravar. Com ambição, com confiança e sobretudo com determinação. Mais Abril, mais Portugal.
Viva Oliveira do Hospital!
Viva Portugal!
Viva a Liberdade!
Pedro Miguel Coelho
Jornalista Expresso