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Opinião: “Winter on fire: Ukraine’s fight for freedom”

No espaço de Opinião na Rádio Boa Nova, Luís Filipe Torgal apresenta o artigo “Winter on fire: Ukraine’s fight for freedom”. Luís Filipe Torgal é professor de História do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, investigador e colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20) e autor de vários livros e artigos científicos ou de intervenção cívica e conferencista.

Winter on fire: Ukraine’s fight for freedom

“Este documentário da Netflix recorda-nos os protestos populares ocorridos na Ucrânia, entre 2013 e 2014, num «inverno efervescente». Durante 93 dias (de novembro de 2013 a fevereiro de 2014), o povo ucraniano (milhões de jovens, adultos e velhos, mulheres e homens, estudantes e trabalhadores, proletários, classes médias e burgueses, agnósticos e crentes das mais diversas religiões) manifestou-se pacificamente, nas avenidas e praças de Kyiv. A sua grande reivindicação foi persuadir o presidente da República, Viktor Yanukovich – eleito na sequência da «Revolução Laranja» de 2004-2005, contra a corrupção e a fraude eleitoral –, a cumprir a sua promessa de assinar um acordo de adesão à União Europeia. Na Maidan, ou «Praça da Independência», o povo gritou, em uníssono: «A Ucrânia faz parte da Europa». O presidente faltou ao prometido, decidiu ignorar as súplicas do povo e ordenou um ataque brutal da polícia militar (a Berkut), que provocou centenas de feridos. Contudo, os manifestantes não transigiram. Reagruparam-se na Maidan, multiplicaram-se, improvisaram barricadas, aprenderam a defender-se do terror policial e passaram a exigir a deposição de Yanukovich e a convocação de novas eleições. O presidente e a sua nomenclatura, manietados por Putin, reagiram de modo ainda mais desesperado, brutal e implacável. Decretaram leis opressoras que legitimaram a ditadura. Instigadas por essas leis, a servil polícia militar e as sinistras milícias mercenárias (os Titushky), infiltradas entre os manifestantes, varreram o povo com sucessivos espancamentos e execuções, recorrendo a bastões de aço, armas com balas reais, snipers e granadas, que provocaram centenas de mortes, milhares de feridos, raptos e prisões.

(Claro que os “putinianos” mais ou menos crípticos dirão que este documentário e as suas imagens impressivas foram forjadas pelos imperialistas americanos e europeus e porventura pelos nazis ucranianos para ludibriar a opinião pública internacional e manipular os verdadeiros patriotas da Ucrânia).

O braço de ferro foi longo, mas a coragem, resistência, solidariedade e espírito utopista do povo unido acabou por triunfar sobre a violência, a opressão e o terror impostos pelos políticos instigados por Putin e os seus sequazes. O presidente Yanukovich abandonou o poder, fugiu, incógnito, numa madrugada, para exilar-se na Rússia, tendo daí sancionado a invasão russa da Crimeia e a sublevação das regiões separatistas do Donbass.

Zelenski seria eleito, em abril de 2019, com 73% dos votos, numa segunda volta em que se apresentou como o candidato de uma Ucrânia livre, virada para o Ocidente e decidida a combater o poder dos oligarcas, contra o candidato do sistema, o oligarca Petro Poroshenko (eleito presidente, em 2014, no rescaldo do levante do inverno de 2013-14). Desde a independência da Ucrânia, em 1991, nenhum outro presidente tinha obtido um mandato tão expressivo.

É, portanto, este povo ucraniano, guerreiro e idealista, comprometido com estas memoráveis manifestações que visaram conquistar os seus direitos cívicos, que Putin pensava vergar em poucos dias, através da sua guerra total. Como disse um dos ativistas deste movimento popular, no final do documentário: «Ninguém pode obrigar alguém livre a ajoelhar-se!» Todos os povos das nações soberanas e democráticas são livres de escolherem o seu próprio destino, deviam ter liberdade para recusarem viver sob a influência de outras nações que, a seu ver, as oprimiram, que tolhem o seu progresso económico e lhes impõem governanças autocráticas.

A Ucrânia usou recusar o falso abraço do urso russo e por isso o urso decidiu devorá-la. Por ora, a única esperança desta história trágica reside no facto de a Rússia não ser exclusivamente habitada por ursos selvagens”.

Luís Filipe Torgal

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