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Opinião: “Machado Santos – triunfo, vanglória e morte de um republicano insubmisso (parte II)

No espaço de Opinião na Rádio Boa Nova, Luís Filipe Torgal apresenta “Machado Santos – triunfo, vanglória e morte de um republicano insubmisso” (parte II). Luís Filipe Torgal é professor de História do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, investigador e colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20) e autor de vários livros e artigos científicos ou de intervenção cívica e conferencista.

A ditadura de Pimenta de Castro

Em janeiro de 1915, o presidente da República, Manuel de Arriaga, nomeou o seu 8.º Governo de mandato presidencial (e o 9.º da Primeira República, em menos de cinco anos), dessa vez presidido pelo general Pimenta de Castro. MS apoiou, intransigentemente, esse governo sobretudo constituído por militares que discriminou os «democráticos» e vigorou entre janeiro de 1914 e maio de 1915. Subscreveu a decisão de Pimenta de Castro de condescender com monárquicos e católicos, de suspender momentaneamente o parlamento e a Constituição, de exonerar dirigentes de algumas instituições públicas, de governar em ditadura e de adiar eleições. Tentou coagir o general a impor o «Estado de Sítio em todo o país» e a reagir de forma mais musculada contra os deputados «democráticos» e todos os que contestavam o seu Governo.  

A ditadura do general Pimenta de Castro acabou derrubada por uma revolta violenta, ocorrida a 14 de maio de 1915, liderada por «democráticos», apoiados pela Formiga Branca e a Maçonaria, mas que teve também a aquiescência de setores unionistas e evolucionistas. Durante alguns dias, Lisboa mergulhou num estado de anarquia bélica do qual resultaram cerca de 200 mortos e algumas centenas de feridos. Portanto, mais mortos do que durante o 5 de Outubro de 1910, onde teriam morrido cerca de 80 pessoas.

As instalações do jornal O Intransigente foram assaltadas e destruídas pela Formiga Branca conluiada com a «rua democrática». MS foi detido, colocado num navio de guerra, para não ser linchado pela rua «democrática», e deportado para a Ilha de São Miguel, nos Açores.

Permaneceu em Ponta Delgada de julho a setembro de 1915. Durante esse período, gozou de liberdade para circular pela ilha, bem como para manter uma intensa atividade política. Com mais três companheiros de exílio (Manuel Goulart de Medeiros, Joaquim Pimenta de Castro e José Xavier de Brito), candidatou-se, pelo círculo de Ponta Delgada, como deputado independente, às eleições legislativas, de julho de 1915, para o Congresso da República. Os resultados foram dececionantes, MS não foi eleito e obteve o menor número de votos dos 4 candidatos independentes atrás citados. 

Quando regressou a Lisboa, concedeu uma entrevista, longa e acrimoniosa, ao jornal O País (30-09-1915), que mais parecia um ajuste de contas com os promotores do 14 de Maio de 1915. Aí referiu que se considerava provisoriamente afastado da política enquanto Afonso Costa não «ressuscitasse». E acrescentou: «vejo o triste destino dos meus vencedores! O Sr. Afonso Costa em vésperas de uma congestão política» (em julho de 1915, Costa recuperava de um traumatismo craniano, porque saltou da janela de um carro elétrico depois de confundir uma explosão provocada por um curto-circuito com um atentado); «o Sr. Chagas zarolho gorjeteado» (referia-se ao facto de Chagas ter cegado de um olho, na sequência de um atentado de que foi vítima na Estação da Barquinha, próxima do Entroncamento, e também aludia a uma polémica verba de compensação que lhe fora atribuída pelo seu pedido de demissão e perda de vencimento, quando representava Portugal em Paris, por não desejar pactuar com a ditadura de Pimenta de Castro); «o Sr. António Maria da Silva [um dos lideres da revolta de 14 de Maio] reduzido a um rim e esse mesmo enfermo; o Sr. Magalhães Lima [grão-mestre da Maçonaria] cerebralmente cristalizado! Que tristes adversários para um homem válido.» 

Como era previsível, Afonso Costa acabou mesmo por «ressuscitar» para chefiar mais dois governos «democráticos» (novembro de 1915 a março de 1916; e abril a dezembro de 1917). E, evidentemente, MS não cumpriu a sua promessa de se afastar da política. Em 1916, publicou o livro A Ordem Pública e o 14 de Maio, onde apresentou um novo projeto constitucional. Desta vez, advogou a criação de um presidente da República eleito por sufrágio direto, dotado de amplos poderes e que tinha as prerrogativas de nomear e demitir o Governo e de dissolver o Congresso. Este último órgão citado seria constituído pelo Senado e a Câmara dos Deputados. O Senado funcionava como uma Câmara Corporativa, que integrava representantes dos professores de todos os níveis de ensino, de associações científicas, culturais, liberais, industriais, agrícolas, comerciais e operárias, de confissões religiosas, de oficiais militares e da marinha mercante, do exército e da armada, de vereações municipais do continente, ilhas, províncias ultramarinas e colónias portuguesas estabelecidas em países estrangeiros. Tal como o presidente da República, a Câmara dos Deputados era eleita, através de um sufrágio direto, por todos os cidadãos portugueses maiores de 25 anos (e não de 21, como anteriormente defendeu e a Constituição de 1911 previa).  

Em 13 de dezembro de 1916, nas vésperas da partida do primeiro contingente do CEP para o front, MS comandou um golpe contra um governo de coalizão — ou «União Sagrada» — entre evolucionista e «democráticos», presidido por António José de Almeida, mas que tinha Afonso Costa na pasta das Finanças. Note-se que António José de Almeida era o único dos três principais líderes republicanos por quem MS nutria sincera simpatia e revelara, em algumas ocasiões, maior solidariedade política. A rebelião foi sufocada com dureza e MS acabou na prisão do Fontelo, em Viseu, onde permaneceu encarcerado sem julgamento nem acusação formal. 

O consulado sidonista

Da prisão do Fontelo aderiu ao golpe de Sidónio Pais, ocorrido a 5 de Dezembro de 1917 (esta intentona militar matou mais de 100 pessoas e fez cerca de 500 feridos). Depois de ter sido libertado do Fontelo, chefiou uma coluna de militares que marchou sobre Lisboa, com o desiderato de ajudar a impor uma nova ordem política. No triunfante, mas sempre tumultuoso, governo ditatorial e depois Republica Nova presidencialista de Sidónio Pais, desempenhou, sucessivamente, as funções de vogal da Junta Revolucionária, Ministro do Interior (dezembro de 1917 e março de 1918, durante o governo ditatorial), Ministro das Subsistências e Transportes (março a maio de 1918, ainda durante governo ditatorial), Secretário de Estado das Subsistências e Transportes (maio a junho de 1918, já no governo presidencialista saído das eleições) e depois de Senador (1918-19). Revelou, nas funções executivas, comportamentos voluntariosos, autoritários, confrontativos, inclusive, contra os membros e as decisões do seu Governo. Em tempos de fome, peste, guerras e rebeliões, empenhou-se em baixar os preços dos bens de primeira necessidade, para travar a carestia de vida, e em distribui-los de modo célere pelo país. Por isso, foi inflexível com os açambarcadores e especuladores. Exasperou-se com muitos governadores civis e administradores dos concelhos. Desentendeu-se com ministros do governo a que pertencia. Enfureceu-se com o Conselho de Administração da CP, chegando mesmo a ordenar ao chefe da polícia de Lisboa que prendesse todos os seus elementos. Divergiu de Sidónio Pais, o qual acabou por exonerar MS das funções de ministro das Subsistências e Transportes. Numa fase mais tormentosa do consulado sidonista, assumiu funções de Senador. No Senado, criticou, acrimoniosamente, as opções governativas do executivo sidonista que ele próprio tinha integrado. Por exemplo, acusou o secretário de Estado da Agricultura de ser incapaz de evitar a inflação dos bens agrícolas essenciais e insurgiu-se, junto do secretário de Estado da Marinha, contra a eternização do «estado de sítio», que suspendia as garantias cívicas e conservava encarcerados centenas de presos políticos sem culpa formada.

Enquanto dirigia estas críticas desabridas ao Governo que tinha ajudado a erguer, acusava, no mesmo Senado, monárquicos e católicos de deslealdade para com a República Nova.   

Sidónio Pais foi assassinado, a 14 de dezembro de 1918, quando a sua República Nova já agonizava, sitiada por quase todas as tendências políticas. Entretanto, os monárquicos e católicos tentaram tomar o poder, durante o período da Monarquia do Norte (janeiro/fevereiro de 1919). MS combateu implacavelmente a sublevação monárquica, por meios políticos e militares, no Senado e na Serra de Monsanto. E contou com o apoio do seu jovem filho militar (tinha então 18 anos), que pelejou contra os revoltosos monárquicos, de espingarda na mão, nos confrontos de Monsanto e depois no norte do país. 

Dominada a ameaça monárquica e em tempo de reconciliação fugaz nas hostes republicanas, foi eleito presidente do Senado (em fevereiro de 1919). Todavia, não era este o cargo que ambicionava. Em abril desse ano, escrevia uma carta ao economista Ezequiel de Campos, em que lhe propunha a pasta dos Abastecimentos num governo suprapartidário que ele previa vir a dirigir. Afirmava então: «só um governo meu [de MS] poderá evitar uma revolução que então ninguém visiona a que extremos chegará».

As afirmações eram proféticas, mas estavam também contaminadas pela sua ambição política desmedida e ignoravam olimpicamente o seu real peso eleitoral e esdrúxula trajetória política.

O regresso à «Republica Velha»

O país entrou na fase da chamada «Nova República Velha» (1919-26). O Partido Democrático manteve a sua hegemonia, mas as cisões ocorridas aí e nos restantes partidos tradicionais do regime determinaram a emergência de novos partidos na cena política nacional. MS continuou a autoelogiar-se e persistiu no seu registo hipercrítico contra a partidocracia republicana. Em finais de 1920, terá garatujado o seu terceiro projeto constitucional, o qual circulou apenas entre os amigos mais restritos. Nesse esboço preconizava um regime presidencialista forte, onde o presidente da República seria eleito, através de um sufrágio indireto, para cumprir um mandato presidencial de sete anos.

Antes disso, em setembro de 1919, juntou-se aos seus indefetíveis amigos políticos, para fundar e presidir a uma organização ambígua e heterogénea oriunda do Centro Reformista (erguido desde finais de 1913), chamada Federação Nacional Republicana (FNR). Tal organização haveria de dissolver-se para converter-se no Partido Reformista, em julho de 1921. O Partido Reformista/FNR propunha-se retomar as raízes do 5 de Outubro e concretizar um projeto de ordem nacional republicana reformista, moralizadora, presidencialista, nacionalista, federalista, descentralizadora, colonialista, corporativista, fomentista e reverente para com a Igreja Católica (a quem reconhecia poderes públicos especiais). Todavia, os resultados eleitorais do Partido Reformista foram medíocres e MS nem sequer conseguiu ser eleito pelo seu círculo eleitoral (Lisboa). 

A morte precoce e brutal

A vida agitada de MS teve um desfecho precoce e brutal, às 2h da madrugada do dia 20 de outubro de 1921. O romper do dia 19 foi assombrado por mais uma conjuração, dessa vez dirigida por militares republicanos «radicais» contra um governo do Partido Liberal Republicano, chefiado por António Granjo. O líder dessa revolta foi o coronel Manuel Maria Coelho, por quem MS nutria animosidade e desprezo — em carta dirigida, em 1915, à sua «boa amiga» Maria O`Neill, jornalista, poetisa, escritora de literatura infantil, retratou o coronel Coelho como «falso republicano, oportunista e cobarde», que teria fugido nas revoltas republicanas de 31 de Janeiro e 5 de Outubro.

Importa aqui referir que o Partido Liberal Republicano de António Granjo teria sido fundado para agregar unionistas e evolucionistas e derrotar o Partido Democrático.

Pelas 14h do dia 19, enquanto a Constituição ficou suspensa e o governo «radical» saído dessa revolta não era empossado, duas centenas de civis armados libertaram do manicómio Miguel Bombarda, José Júlio da Costa, o qual assassinara Sidónio País, em 1918. Já na madrugada do dia 20, MS foi capturado na sua casa pelo sinistro cabo da Armada, Abel Olímpio, conhecido como «O dente de Ouro» e um bando hostil de 8 ou 10 marinheiros. Foi obrigado a entrar na tristemente célebre «Camioneta Fantasma», que avariou e ficou imobilizada perto do largo do Intendente. Nesse instante, o condutor, MS e o «Dente de Ouro» saíram da camioneta e este último terá ordenado aos marinheiros a execução do «herói da Rotunda». Ouviram-se seis tiros. MS tombou morto. O seu cadáver foi, depois, transportado e abandonado junto à morgue pelos seus assassinos.

O relatório da autópsia registou que foi atingido – no tórax, coração e crânio — por quatro projéteis de pequeno calibre, mas disparados por armas de grande potência, pois nem uma bala ficou alojada no corpo. Nessa mesma «Noite Sangrenta», foram também assassinadas outras figuras importantes da República: José Carlos da Maia, oficial da armada, proeminente político republicano e outro herói da revolução de 5 de Outubro (que tomara o cruzador D. Carlos, no 5 de Outubro); António Granjo, presidente do ministério então deposto e herói do Corpo Expedicionário Português; Botelho de Vasconcelos, coronel e ministro do consulado de Sidónio País; e Carlos César Freitas da Silva, capitão-de-fragata e chefe de gabinete do ministro da Marinha do governo demissionário de António Granjo.

Duas teorias emergiram nos julgamentos dos assassinos e foram diversamente sustentadas por historiadores: uma advogou que os homicidas foram mandatados por setores monárquicos e clericais mais ou menos identificados (entre eles, mencionava-se o padre Maximiano Lima), patrocinados pela alta finança nacional e por realistas espanhóis; outra – julgo que a mais viável — defendeu que se tratou de uma vingança de desordeiros oriundos da rua «democrática» contra antigos sidonistas e antiafonsistas (congeminada entre elementos da Formiga Branca e comités de vigilância e de defesa da República «democrática»).

Conclusão

A vida agitada e sinuosa de Machado Santos, sempre vivida no «fio da navalha», simboliza bem as contradições e a complexidade da Primeira República e dava um filme empolgante sobre as ambições do poder político. 

Amigos e inimigos representaram-no como voluntarioso, generoso, leal, destemido, obstinado, impulsivo, extrovertido, romântico, megalómano, visionário, presunçoso, populista, fanático, culturalmente limitado, ingénuo, carismático, republicano indefetível e «amigo de Peniche» da República. E, certamente, todas estas características coexistiam na sua personalidade.

Foi um comissário naval, um militar burocrata da armada que encarnou o papel de combatente destemido e de herói acidental da revolução de 5 de Outubro de 1910. A Assembleia Constituinte republicana assim o considerou, quando, em julho de 1911, aprovou uma lei (com 149 votos a favor e 14 contra) que reconheceu o seu «feito heroico e patriótico», promoveu-o a capitão-de-mar-e-guerra e concedeu-lhe uma pensão anual vitalícia de 3 mil reis livres de impostos.

Porém, desde esse dia memorável, MS entrou em confronto permanente com os republicanos que haveriam de representar as três principais tendências partidárias da chamada «República Velha» (1910-1917): Brito Camacho e o seu Partido Unionista, António José de Almeida e o seu Partido Evolucionista, e, sobretudo, Afonso Costa e o seu PRP (vulgarmente conhecido como Partido Democrático, desde que os correligionários de Afonso Costa tomaram o partido e provocaram uma cisão entre os republicanos, consumada no Congresso do PRP, em outubro de 1911). MS sustentou uma raiva visceral, um verdadeiro ódio de estimação contra Afonso Costa e os «democráticos», que passaram a dominar a máquina eleitoral do regime e a imprimir nele uma estratégia política de radicalização «jacobina».

Convenceu-se que foi o verdadeiro «herói» do 5 de Outubro e, por isso, o «fundador» da República. Contudo, depois, sentiu-se rejeitado pela maioria das personalidades republicanas mais influentes, que, julgando-se «donas e senhoras» do novo regime, não o julgaram idóneo e competente para integrar o Governo Provisório, ou tão-pouco o convidaram para desempenhar outras funções relevantes na República. Em dado momento, MS percebeu também que dificilmente conseguiria conquistar o poder pela via eleitoral, numa República dominada pelo Partido Democrático, o qual, optou amiúde por recorrer a estratagemas característicos dos «regimes iliberais»: quando se apoderou do aparelho de Estado e instigou a manipulação dos atos eleitorais, o empastelamento dos jornais, os assaltos às sedes dos partidos e dos sindicatos, a prisão e a deportação sem julgamentos, a repressão das manifestações, a defesa intransigente da Lei da Separação, bem como a perseguição aos católicos e o seu clero.     

A mescla de sentimentos e convicções assumidos por MS impeliram-no a bater-se, ainda mais obstinadamente, dentro da República, pelo direito de governar e de arquitetar o regime que ele considerava ter implantado. E, nos anos finais da sua vida, levaram-no a vangloriar-se de ser o único capaz de redimir a República.

MS apelou à união dos republicanos, mas foi um agente de instabilidade e de degenerescência do regime. Foi militar, mas também carbonário e maçon em conflito permanente com muitos dos seus colegas militares e com os seus «bons primos» e «irmãos» que militaram nestas organizações secretas. Foi burocrata da Armada, mas também destemido conspirador e combatente revolucionário republicano. Foi versado em elaborar projetos constitucionais inconsequentes, e foi também fundador e jornalista do histriónico O Intransigente – gazeta que, enquanto resistiu (de novembro de 1910 a maio de 1915), vociferou contra a Constituição de 1911, contra o Partido Democrático e todos os partidos e os governos «democráticos» ou de concentração republicana que vigoraram até janeiro de 1915. Tornou-se adepto do presidencialismo, apesar de ter apresentado na Assembleia Constituinte de 1911 um projeto constitucional que excluía a existência de um presidente da República. Foi um inflamado intervencionista de Portugal na Primeira Guerra Mundial e depois crítico dessa intervenção. Foi pimentista e depois acusou o governo ditatorial do general Pimenta de Castro de «inércia» política e «excessiva benevolência» para com o Partido Democrático. Foi sidonista e depois crítico do governo de Sidónio Pais a que pertencera. Contestou a existência dos partidos políticos, mas foi mentor e dirigente do inconsequente Partido Reformista/FNR. Foi defensor das liberdades individuais e de leis de amnistia e reconciliação para monárquicos e republicanos revolucionários, mas também foi delator da «demagogia» e do «oportunismo» do Partido Democrático de Afonso Costa e denunciante das ambições dos realistas de resgatar a monarquia pela via sediciosa. Enfim, foi obreiro e herói da República e prisioneiro e mártir do regime que ajudou a implantar.

Por conseguinte, é possível detetar na conduta e nos discursos paradoxais de MS uma marca populista autoritária, bem como comportamentos desconcertantes coagidos por reações arrebatadas ao rumo imprevisível dos acontecimentos vividos durante os tempos revolucionários da Primeira República. Uma conjetura final: se MS não tivesse sido assassinado na «Noite Sangrenta», teria aderido ao Estado Novo de Salazar? Creio que não. É verdade que idealizou uma outra República para Portugal. Sonhou com um projeto político republicano reformista autoritário, moralizador, corporativista, suprapartidário e personalista. Mas a sua idiossincrasia sanguínea, volúvel, egocêntrica e confrontativa, as suas desmedidas ambições políticas, o modo como as suas amizades, em alguns casos pouco recomendáveis, influenciaram a sua ação e o seu percurso contraditório de combatente político independente e insubmisso dificilmente seriam compatíveis com o rumo trilhado pelo regime erigido por Salazar. Reconheço, porém, que este é um exercício arriscado de história alternativa que pouco adianta à narrativa que pretendi aqui apresentar.   

Luís Filipe Torgal

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