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Opinião: “Desafios de um mundo cada vez menos democrático”

“O conceito de democracia foi desenvolvido por Aristóteles, na Grécia Antiga, para caracterizar um regime em que o poder (político) estava entregue às massas populares, aos mais pobres, ao povo — ainda que Aristóteles não subscrevesse tal sistema e preferisse um regime que chamou de politeia ou república, em que o poder estava sobretudo concentrado nas classes médias, que deveriam conceder igualdade a ricos e pobres no acesso à educação, alimentação e magistraturas do Estado.

De Aristóteles até à atualidade, a teoria e a prática da democracia foram aprimoradas. Por exemplo, enquanto, na Grécia Antiga, as mulheres eram excluídas da vida política, hoje, num regime democrático, podem participar, quer votando, quer sendo eleitas. Deste modo, percebemos que a democracia pensada por Aristóteles não é, felizmente, a democracia existente no século XXI. Contudo, importa salientar que o surgimento de um regime como este – que teve o seu maior sucesso em Atenas, na era de Péricles (século V a.C.) – é um feito a assinalar, porque tem sempre que ser interpretado à luz dos condicionalismos económico-sociais, políticos e culturais da época em que foi criado. 

Hoje, grande parte dos países do mundo tem democracias plenas ou parcialmente democráticas. No entanto, tal não significa que as possamos tornar garantidas. Pelo contrário.

Nenhum regime é eterno, o que inclui, obviamente, as democracias. Aliás, o facto de as tomarmos como seguras e permanentes pode levar à sua queda, uma vez que acabamos por não cuidar delas devidamente.

Lutas como as que foram travadas, em Portugal, no 25 de Abril de 1974 não podem ser esquecidas e, muito menos, as democracias que se implementaram depois delas, até porque, como alguém referiu, quem«adormece em democracia, acorda em ditadura». Ou seja, se não preservarmos as democracias que temos, acordaremos numa ditadura e, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, salientou, no seu discurso proferido no dia 5 de Outubro deste ano, «sabemos bem como é difícil recriar democracias depois das ditaduras».

Aliás, a maioria das democracias do mundo estão a ficar adormecidas. Para o comprovar, basta observar, de forma breve, a política internacional e os ataques, quase constantes, à democracia.

Tomemos o exemplo da Itália, que elegeu, recentemente, uma nova primeira-ministra, Giorgia Meloni, que, outrora, se considerou herdeira do fascismo de Mussolini. Não, não devemos fazer julgamentos prévios e, por enquanto, não podemos ter certezas de que Meloni queira conduzir a Itália a um regime ditatorial. Contudo, o simples facto de ter sido eleita, apesar de defender valores muito pouco democráticos e inclusivos, pode ser considerado um ataque à democracia ou, pelo menos, um indício de que a democracia italiana poderá estar em risco.

Tomámos o exemplo da Itália, mas podíamos ter escolhido a França, em que o partido de Marine Le Pen (Rassemblement National) tem crescido de modo assustador. Podíamos ter escolhido a Rússia, com Vladimir Putin, que ordenou a invasão da Ucrânia. Podíamos também ter escolhido os Estados Unidos da América, com Donald Trump e a invasão do Capitólio. Podíamos até ter escolhido Portugal, com André Ventura, que é o chefe do partido CHEGA. Podíamos ainda falar de Orbán, Bolsonaro, Nicolás Maduro, Erdogan, Duterte, Xi Jinping, etc.. No fundo, todas estas personalidades apenas nos direcionam para uma conclusão: as democracias estão em risco! E pior: estes nomes têm cada vez mais apoiantes.

Além do crescimento evidente dos populismos e radicalismos, as democracias ainda enfrentam outros perigos, como os nacionalismos exacerbados e o descrédito dos regimes democráticos, minados por alguns políticos egoístas e corruptos. Importa, porém, salientar que, felizmente, a maioria dos eleitores ainda dá preferência a regimes democráticos. Contudo, como afirmei anteriormente, os populismos têm cada vez mais apoiantes.

Acrescento, ainda, que, de facto, o maior perigo das democracias é deixarem de ser democráticas, situação que ocorre quando um – e basta um – princípio fundamental (liberdade de expressão, divisão dos poderes, sistema fiscal progressivo, sufrágio universal, inclusão social…) da democracia não se verificar.

No entanto, se os perigos já representam um número significativo, maiores são os desafios. De entre eles, podemos destacar: a promoção da qualidade de vida de todos os cidadãos, desafio que, para mim, é inalienável numa democracia; as soluções para superar o caos económico e atenuar as alterações climáticas; a constituição de forças cívicas e mecanismos de oposição a radicalismos de direita ou de esquerda; assegurar a coesão social; e, um problema recente, resolver as adversidades decorrentes da guerra em curso, entre a Rússia e a Ucrânia, conflito que ameaça a paz na Europa, inflama as divisões entre os países da União Europeia e pode mesmo conduzir o mundo a um cataclismo nuclear.

No entanto, vale a pena referir que, apesar de o contexto político mundial não ser, de momento, muito favorável, cada cidadão tem um papel importante na manutenção das democracias, o qual passa, fundamentalmente, pelo estudo da História.

Parece-me que hoje cada vez menos se valoriza a importância da História quando, na verdade, esta ciência social ajuda-nos a compreender o passado e pode garantir-nos um presente e um futuro melhores. Outrossim, a reflexão, decorrente da visualização de debates políticos, é importante, até porque deste modo é possível analisar criticamente os valores e as ideologias vertidos nos discursos apresentados. Acredito que a solução para a preservação dos regimes democráticos está no acesso de todos os cidadãos à educação e à informação livre e rigorosa. Não podemos, jamais, desvalorizar a relevância do conhecimento, se desejamos construir um mundo melhor. Sem educação e informação as democracias correm risco de morte.

O futuro não se avizinha fácil, quando há tantos problemas por resolver. Contudo, a História do mundo será sempre esta: novos problemas que precisam de novas soluções. Ano após ano, séculos após séculos, surgem novas adversidades e a Humanidade (unida) encontra sempre as ferramentas necessárias para as solucionar. Resta-nos esperar que as soluções passem pelo aperfeiçoamento dos regimes democráticos — por edificar regimes democráticos que, afinal, respeitem e pratiquem os valores da igualdade, liberdade e fraternidade”.

Mafalda Correia, aluna do 11.º ano do AEOH

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