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O voto em mobilidade é uma oportunidade para participarmos mais, mas também para termos um país mais coeso

As Europeias do passado dia 9 de junho foram as eleições para o Parlamento Europeu com maior número absoluto de votantes desde 1989, e as que tiveram maior percentagem de votantes dos últimos 15 anos, com uma abstenção de 62,5%. E ficaram marcadas por uma inovação: o voto em mobilidade. Qualquer eleitor, em qualquer parte do país ou do mundo, pôde votar onde quis: na sua freguesia de residência ou recenseamento, claro, mas também noutro sítio qualquer, na freguesia portuguesa em que se encontrasse ou, no caso de estar fora do país, no posto consular mais próximo.

O reflexo, além do aumento visível da participação, que vinha a reduzir de forma acelerada desde 1999, foi outro, também curioso: além das freguesias que são habituais destinos turísticos, onde os portugueses estavam de fim de semana prolongado, houve uma participação forte em vários locais do Interior. Neste particular, o caso do Piódão foi paradigmático: votaram nesta freguesia mais do dobro dos votantes ali recenseados.

Aqui não muito longe, a abstenção desceu acentuadamente nos concelhos de Arganil (- 16,25 pontos percentuais), Góis (- 29,11 p.p.) e Pampilhosa da Serra (- 29,41 p.p.), mas houve muitos outros casos relevantes no Interior Centro – Fundão (- 15,8 p.p), Penamacor (- 27,01 p.p), Idanha-a-Nova (- 24,51 p.p), Sabugal (- 17,2 p.p) e Almeida (- 18,3 p.p) são bons exemplos disso.

O singular caso de Alvôco das Várzeas

No concelho de Oliveira do Hospital, Alvôco das Várzeas alcançou uns respeitáveis 92,77% de participação eleitoral – uma subida de 46 pontos percentuais na participação, contra os 46,77% das Eleições de 2019. Questionei se havia, na freguesia, algum evento especial ou ocasião que motivasse esta subida na participação. A resposta que me foi dada foi que não: esta subida passaria por alvocenses que atualmente já não vivem na aldeia e que aqui estavam a passar o fim de semana, alguns turistas, e pessoas que, sendo daqui originárias, quiseram votar nesta mesa de voto.

É deste caso, que nos é mais próximo, que parto para a tese deste artigo: o voto em mobilidade, além da óbvia facilitação e aumento de acessibilidade da participação eleitoral, pode contribuir também para a coesão territorial. Ao permitir o voto em qualquer mesa de voto do país, são incentivados movimentos pendulares dentro do território nacional – é normal, em várias famílias, que os membros deslocados (até mesmo no estrangeiro) voltem às suas terras natais em alguns fins de semana. E ao permitir o voto em mobilidade é incentivado que isto seja feito também no dia do voto, e que este momento de participação cívica seja também um momento de reencontro das populações em torno de uma das conquistas maiores que devemos celebrar: a democracia.

Esta celebração e reunião, que contribui para que o próprio ato eleitoral se traduza num momento positivo para quem o vive, traz também oportunidades do ponto de vista económico – saibamos nós explorá-las. E, assim, o que antes poderia ser visto como um obstáculo; ou, por um lado, as famílias não poderiam usufruir da mesma forma do fim de semana porque tinham de estar nas suas freguesias de recenseamento, ou, por outro, teriam de falhar o voto para poder fazer a sua habitual deslocação para junto do núcleo familiar; passa agora a ser uma oportunidade.

É certo que um voto em mobilidade tão amplo só se pode repetir em futuras eleições Europeias ou Presidenciais, as únicas que decorrem em Portugal no modelo de círculo único, em que o boletim de voto é igual em todo o país, e em que a distribuição de mandatos é feita pela distribuição do voto nacional. Contudo, é também válido que, depois de ter funcionado tão bem, surja nos eleitores uma expectativa legítima sobre a simplificação do processo eleitoral. A mobilidade nacional não será possível em eleições legislativas, mas a mobilidade dentro do mesmo círculo eleitoral poderá sê-lo: num determinado círculo eleitoral, por exemplo Coimbra, onde se elegem oito deputados para a Assembleia da República, deveria ser possível futuramente que um eleitor que esteja registado como residente em Coimbra pudesse votar aí ou em Oliveira do Hospital caso seja este o concelho em que decide passar o fim de semana das eleições.

O futuro passa por aqui: a democracia deve ser tão acessível aos cidadãos como são hoje todas as outras coisas, como por exemplo pagar impostos e contribuições ou pedir licenças e certidões. E isto traz-nos a uma evidência: podemos decidir demorar mais ou menos tempo a evitá-lo, mas pensarmos seriamente no voto eletrónico não é uma quimera – há condicionantes e riscos, e há vários modelos utilizados a nível internacional, como por exemplo o voto eletrónico presencial (deslocando-se o eleitor à mesma a uma mesa de voto), mas é preciso fazer esse caminho. Eu sei que é um lugar comum dizê-lo, mas a democracia vive mesmo mais quanto mais for participada.

Pedro Miguel Coelho, natural do concelho de Oliveira do Hospital, trabalha atualmente como jornalista do Expresso, onde coordena as redes sociais e edita a secção “Geração E”.
Crónica originalmente publicada no Folha do Centro.
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