Carlos Arinto é um autor do nosso tempo, embora viva e reflita sobre outros tempos. Quem o conhece está habituado aos seus comentários mordazes, perspicazes e irónicos. Estas características não passam despercebidas na sua escrita.
O livro O sótão II é um reflexo claro disso. Nele, o autor faz uma compilação de textos sobre diversos temas, onde as suas semelhanças são mais do que as suas diferenças, por muito que não o pareça. Aliás, só um leitor atento será capaz de ler as linhas que Arinto não escreveu.
A obra balança entre a crónica e a ficção ou, como o autor afirma, entre «crimes, invasões, ficção, viagem no tempo…e o que também se lerá, que não é coisa de somenos». Numa escrita correta e viciante, vamos sendo conduzidos ao longo destes textos. Vamos conhecendo estes sótãos e tudo o que neles se passa e vamos sentindo alguma compaixão com as personagens que encontramos pelo caminho, isto porque vamos sentindo o mesmo que elas. Carlos Arinto consegue divertir-nos com determinadas atitudes dos intervenientes, mas também assustar-nos ligeiramente com o que pensamos que pode estar a acontecer naquele sótão, porque, caros leitores, nunca acontece a mesma coisa…
Esta foi talvez das características mais surpreendentes: embora soubesse de antemão que o livro é uma compilação de textos, não esperava que o mesmo tema – o sótão – os unisse tão bem. Depois, à medida que fui lendo, fui-me deixando envolver pelas histórias e crónicas que iam sendo narradas.
No âmbito das crónicas em concreto, a sua maioria pessoal, conhecemos de forma transparente quem nos escreve e deixamo-nos envolver por elas, do mesmo modo que queremos saber tudo sobre uma pessoa que acabámos de conhecer.
Por outro lado, também a escrita do autor me surpreendeu bastante, dado que não achava que conseguisse ficar tão presa como fiquei. Tinha vontade de seguir esta escrita, mesmo que nem sempre quisesse saber tudo sobre aquele sótão que esconde as suas artimanhas.
Aliás, no fundo, creio que o autor refletiu muito sobre o significado da própria palavra sótão e sobre tudo aquilo a que este espaço pode dar lugar, física ou metaforicamente. E é também por isso que o livro se torna tão envolvente.
Encontramos textos mais sombrios e outros mais quotidianos, mas encontramos muitos que refletem o estilo de escrita e um pouco da personalidade do autor: textos que vão fazendo as suas críticas, deixando os seus comentários e fazendo as suas reflexões. Textos que vão deixando muito, mas que não nos vão deixando a nós.
Por outro lado, esta compilação de textos sai muito do espaço que é o sótão e encontra o nosso mundo. Encontra os nossos problemas, as nossas atitudes (ou falta delas) e, nesse sentido, pode muito bem funcionar como uma chapada de luva branca: um acordar para o agora.
Em suma, esta é uma obra por muitos motivos singular e interessante por contrabalançar tão bem dois extremos: ao mesmo tempo que choca e desafia, ensina e reflete e, pelo meio, vai-nos deliciando.
Assim, é talvez dos livros mais estranhos, por ser singular, mais intrigante, por estar bem escrito e mais perspicaz, pela quantidade de temas que abarca, sem nunca perder o ponto simples inicial e o seu lugar-comum: o sótão.