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Opinião: “Machado Santos – triunfo, vanglória e morte de um republicano insubmisso” (Parte I)

No espaço de Opinião na Rádio Boa Nova, Luís Filipe Torgal apresenta “Machado Santos, Triunfo, vanglória e morte de um republicano insubmisso” (Parte I) . Luís Filipe Torgal é professor de História do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, investigador e colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20) e autor de vários livros e artigos científicos ou de intervenção cívica e conferencista.

“Ao contrário do que alguns afirmam de modo perentório, cotejar o percurso de Otelo Saraiva de Carvalho com o de Machado Santos não é um exercício totalmente descabido, ainda que envolva alguns riscos. Riscos que decorrem sobretudo de compararmos dois homens que viveram em épocas e circunstâncias históricas diferentes.  

Sobre Otelo já correram rios de tinta, nos dias seguintes à sua morte. A meu ver, a declaração mais ponderada e objetiva pertence a Ramalho Eanes, da qual cito aqui este longo trecho: «Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida. E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerando, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo. Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar».

Dito isto, fixemo-nos então em Machado Santos (MS). O que vou aqui partilhar é devedor do livro «Machado Santos, o intransigente da República», que foi publicado pelas edições do Parlamento, em 2013. Livro que eu assinei conjuntamente com os historiadores e meus veneráveis amigos, Armando Malheiro da Silva e Carlos Cordeiro, infelizmente já falecido e a quem dedico este texto.

A oposição à Monarquia Constitucional

António Maria de Azevedo Machado Santos nasceu em 10 de janeiro de 1875, em Lisboa, na antiga rua da Inveja (próximo da Mouraria). Era descendente de uma família pequeno-burguesa lisboeta (o pai era empregado de comércio, enviuvou cedo, tendo depois casado com uma filha de um pequeno comerciante de Lisboa). Em 1891, entrou na Escola Naval, com 16 anos, para fazer o curso de Administração Naval. Estudou para ser um burocrata da Marinha. Nas vésperas da «Revolução de Outubro», tinha 35 anos e o posto de Comissário Naval de 2.ª classe (portanto, não era um operacional militar, mas sim um oficial de administração da Armada, versado em contabilidade, inspeção e gestão). Em 1907, aderiu à «dissidência» do Partido Progressista, liderada por José de Alpoim, ingressando depois, com outros dissidentes progressistas, no Partido Republicano Português (PRP). Em 1908, conspirou contra a ditadura de João Franco, tendo participado no fracassado golpe republicano de 28 de janeiro desse ano (conhecido como a intentona do elevador da Biblioteca). Ingressou na Carbonária, ascendendo, logo em 1909, à Suprema Alta Venda (órgão máximo). Fez parte de um triunvirato chefiado pelo Grão-Mestre, Luz de Almeida (o outro vice-presidente era o engenheiro António Maria da Silva). Nessa época, terá escrito o folheto panfletário antimonárquica «Os Barbadões», onde desancou em todos os descendentes da Casa de Bragança: apelidou-os aí de «corja de beatos clericais, loucos, ditadores sanguinários e incompetentes sem perfil de estadistas». Em 1909, foi iniciado na Maçonaria (na loja «Montanha») com o nome simbólico de «Championnet» (alcunha do general Jean Étienne Vachier, militar intrépido que participou ativamente na Revolução Francesa). Em março de 1910, integrou a comissão de resistência da Maçonaria que tinha a missão de preparar a revolução. Desde então, imaginou sucessivos planos revolucionários mais ou menos fantasiosos, angariou fundos e armas, aliciou militares e civis para a Carbonária e a revolução republicana. Fez tudo isto com um voluntarismo e uma coragem desmedida e quase irresponsável. A 2 de outubro de 1910, numa reunião da comissão de resistência da Maçonaria onde foi fixado o dia da revolução, ofereceu-se para revoltar o Regimento de Infantaria 16 (nesse quartel de Campo de Ourique havia alguns soldados e cabos republicanos, mas nenhum oficial ou sargento). O seu desejo afincado de comandar uma unidade em terra superava o risco evidente da missão.

A ação de Machado Santos na Revolução de 5 de Outubro de 1910

Não é fácil reconstituir os passos de MS, entre os dias 3 e 5 de outubro de 1910, porque a sua representação da revolução, vertida nos dois relatórios que assinou (Relatório de Recompensas do Comandante Machado Santos aos Membros do Governo, 1910; e A Revolução Portuguesa, 1911), diverge, em muitos aspetos, de outros relatórios militares, de artigos de jornal e de textos memorialistas deixados por cronistas, militares e civis revolucionários, políticos republicanos e também por militantes monárquicos. Aliás, tal evidência demonstra como, já na fase da propaganda republicana, os republicanos estavam demasiado divididos em múltiplos grupos e tendências.     

Depois de muitos desentendimentos e planos abortados gizados por militares e políticos republicanos afetos à Maçonaria e também à Carbonária, os republicanos decidiram que a revolução devia iniciar-se à 1h do dia 4 de outubro (uma terça-feira). Pouco tempo antes, MS emboscou-se no Centro Republicano Sta. Isabel, na rua de Campo de Ourique, situado nas traseiras do Quartel de Infantaria 16, e vestiu a sua farda militar de gala, «como quem vai para uma festa ou para a morte». Às 12h45, escoltado por um grupo de carbonários mal armados, entrou furtivamente, por uma porta lateral, no Quartel de Infantaria 16, o qual se insubordinara pouco antes, e tomou-o (baixas? poucas, mas de importância trágica: 1 coronel e comandante do regimento e 1 capitão e ajudante de campo do comandante, ambos realistas, mortos no tiroteio, o que teria duras consequências para os revoltosos, caso o golpe abortasse).

Daí partiu, com cerca de 200 homens, para se juntar ao capitão Sá Cardoso e aos militares do Regimento de Artilharia 1, em Campolide, o qual, entretanto, tinha já sido sublevado pelo capitão Afonso Pala.

De Campolide, saíram duas colunas de revoltosos de Artilharia 1, chefiados pelos capitães Afonso Pala e Sá Cardoso, rumo ao Palácio das Necessidades e ao Quartel do Carmo, para aprisionarem o rei e neutralizarem a Guarda Municipal. MS seguia, talvez na retaguarda de uma das colunas, dirigindo uma pequena força mista de populares e soldados de Infantaria 16.

Mas os primeiros recontros com a Guarda Municipal fundiram as duas colunas, obrigando-as a desviarem-se para a Avenida da Liberdade, com o propósito de avançarem sobre o Quartel-General de São Domingos, no Rossio. Confrontados por um novo ataque de uma patrulha da Guarda Municipal, que subia a Avenida, recuaram e entrincheiraram-se na Rotunda.

Ao romper da manhã, Sá Cardoso, Afonso Pala e outros oficiais sublevados barricados na Rotunda reuniram para avaliar a situação. Concluíram que os insurgentes da marinha tinham falhado os seus objetivos de conquistar os três navios de guerra fundeados no Tejo, desembarcar no Terreiro do Paço e controlar o Quartel da Marinha (importa aqui recordar que o dirigente civil da revolução, médico Miguel Bombarda, fora assassinado por um doente no seu consultório do Hospital de Rilhafoles, ainda nas vésperas do golpe deflagrar, e o comandante-chefe da revolução, almirante Cândido dos Reis, suicidou-se, na madrugada de 4 de outubro, por julgar a revolução perdida). Os oficiais sublevados concentrados na Rotunda também inferiram que as suas forças encontravam-se cercadas por tropas fiéis à monarquia, mais numerosas, bem armadas e melhor posicionadas. E que uma reação ofensiva seria inglória e provocaria uma «carnificina horrorosa».

Decidiram retirar. Às 9h, trocaram os seus uniformes por vestuário de paisanos e abandonaram a revolução (entre eles, estavam os capitães Afonso Pala e Sá Cardoso). Porém, MS não participou no conselho de oficiais, desconhecia as ponderações céticas aí expostas e dispunha de informações mais esperançosas sobre o curso da revolução. Por isso, resolveu ficar. Reuniu os 9 sargentos de artilharia resistentes, assumiu o comando dos relutantes soldados de Infantaria 16 e Artilharia 1 concentrados na Rotunda e assegurou a defesa do local com barricadas improvisadas, construídas com pedras, mobílias partidas, fios telegráficos, troncos de árvores e chapas de zinco. Nesse momento permaneciam na Rotunda cerca de 200 militares protegidos por oito modernas peças de artilharia dispostas em locais estratégicos.

Entre as 12h do dia 4 de outubro e as 6h do dia 5 (quarta-feira), os revoltosos barricados na Rotunda resistiram ao cerco das forças monárquicas alojadas nos Restauradores, no Rossio, no Torel e na Penitenciária, situada no alto do Parque Eduardo VII. Foram, episodicamente, bombardeados e ripostaram. Ao longo do dia, o contingente de revolucionários da Rotunda foi engrossando, graças à adesão de centenas de civis carbonários e militares desertores de outras unidades.   

Entretanto, os marinheiros e oficiais revoltosos conseguiram, finalmente, superar o impasse. Entre a noite do dia 3 e a manhã do dia 4, tinham já tomado o Quartel dos Marinheiros, em Alcântara, bem como os cruzadores Adamastor e o S. Rafael. Mas o cruzador D. Carlos só foi capturado no final da noite do dia 4. Destes vasos de guerra, os marinheiros amotinados dispararam sobre o Palácio das Necessidades (obrigando à fuga do rei), o Terreiro do Paço, o Torel e o Rossio. Desembarcaram em Alcântara, na madrugada do dia 5, com o apoio de civis, e acabaram a confraternizar com as forças realistas, que se recusaram a combater, porque estavam infiltradas por militares carbonários e republicanos.

Pelas 8h30 do dia 5 de outubro, quando as forças monárquicas começaram a desmobilizar e o desfecho da revolução já estaria resolvido, MS montou um cavalo (este pormenor cénico dá-nos mais uma pista preciosa para aferir a idiossincrasia de MS que não tinha qualquer experiência equestre) e desceu a Avenida da Liberdade, escoltado por um batalhão de populares armados, tendo sido recebido, pelo povo, com eufórica aclamação. A multidão apeou-o do cavalo e levou-o até ao Quartel-General, instalado no Palácio de São Domingos, próximo do Rossio, onde – MS asseverou — ter recebido a capitulação das mãos dos oficiais monárquicos.

Todavia, os adversários de MS sustentaram que quando ele chegou ao quartel-general já este estava nas mãos dos republicanos, já o governo civil se tinha rendido e a República já tinha sido proclamado na Câmara Municipal de Lisboa.

A verdade é que, desde então, MS convenceu-se que tinha sido o implantador da República. Por isso, sentiu-se desprezado e ofendido por diversas personalidades da Maçonaria e do Partido Republicano. Considerou que estes homens assumiram posições calculistas e até cobardes nos dias gloriosos da «Revolução de Outubro», mas, depois, vangloriaram-se do triunfo republicano e excluíram-no de qualquer cargo relevante no Governo Provisório da República.

O Governo Provisório e a eleição da Assembleia Nacional Constituinte

O Governo Provisório presidido por Teófilo Braga foi anunciado da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, no próprio dia 5 de outubro, entre as 10h e as 11h da manhã. A sua constituição foi concertada entre o diretório do PRP e as cúpulas da Maçonaria, tendo ambos excluído a Alta Venda da Carbonária que tinha desempenhado um papel decisivo na revolução.   

Um mês depois, MS fundou o O Intransigente. O jornal tinha como subtítulo «diário republicano radical» e, durante os primeiros quatro meses, ostentou, no cimo da primeira página, o símbolo da Carbonária (uma estrela de cinco pontas sobre o globo terrestre, onde estava gravado um escudo com as cinco quinas). O Intransigente publicou o seu primeiro número no dia 12 de novembro e, até 1913, ficou sedeado na rua do Carmo (portanto, no coração comercial e cívico da cidade).

Do seu jornal passou a desferir ataques progressivamente mais virulentos ao Governo Provisório: denunciou as ambições políticas e pessoais dos seus membros; protestou contra o excesso de leis produzidas por um Governo, que se devia limitar a uma gestão corrente; apontou as máculas e/ou radicalismos das leis do inquilinato, da imprensa, da separação do Estado das igrejas e do divórcio; lamentou a ausência de uma hábil diplomacia nacional; lastimou a falta de medidas de fomento económico e de cariz financeiro; exigiu a publicação rápida de uma lei eleitoral e a convocação de eleições.

Apesar das suas críticas compulsivas ao novo regime que ajudou a nascer, em maio de 1911 o seu nome foi validado pelo Diretório do PRP para candidato a deputado à Assembleia Nacional Constituinte. Apresentou, n´O Intransigente, num tom coloquial e impetuoso, um programa de candidatura, onde sobressaiam os seguintes princípios orientadores: orçamento equilibrado, que por isso inviabilizava o aumento dos ordenados dos funcionários públicos; reorganização da marinha de guerra e constituição de um numeroso exército miliciano; «rasgada» descentralização administrativa (que vigorava no velho programa republicano); revisão da obra ditatorial do Governo Provisório; retificação das nomeações, transferências e reformas dos funcionários públicos; instauração de um processo ao rei e aos seus cúmplices, por traição à pátria; palestras por todo o país, efetuadas por professores, com o propósito de explicar ao povo as leis da República e os direitos e deveres dos cidadãos; legalização do jogo, para atrair a Portugal estrangeiros endinheirados e dinamizar o turismo; leis de proteção às mães e às crianças, antes, durante e depois do parto; prioridade na reforma da instrução elementar, para combater o analfabetismo (preocupações sociais e educativas que estavam também vertidas no velho programa republicano).

O programa de MS procedia de uma ideia fundamental, que ele não abdicará até morrer: independência da «falange afonsista» ou «grupo dramático» (leia-se Afonso Costa e o seu círculo «democrático», que haveria de tomar o PRP), da «corte camachista» ou grupo prosaico-intelectual» (Brito Camacho e o futuro Partido Unionista), da «decúria almeidista» ou «grupo poético-lunático» (António José de Almeida e o futuro Partido Evolucionista), e criação de um governo «extrapartidário» (O Intransigente, 8-05-1911).

As eleições ocorreram no dia 28 de maio e MS foi eleito pelo círculo n.º 35, Lisboa Ocidental, com uma votação moderadamente expressiva — sobretudo se considerarmos que ele tinha sido representado pelos vencedores como o «herói» da Rotunda e o «principal comandante militar» da revolução de 5 de outubro de 1910. Obteve 15.000 votos. O velho e misantropo Teófilo Braga conquistou, no mesmo círculo eleitoral, 16.720 votos. E Afonso Costa alcançou, no círculo n.º 34, Lisboa Oriental, 18.845 votos. 

Na Assembleia Nacional Constituinte MS apresentou, em junho de 1911, o seu «Projeto de Constituição», de que vale a pena salientar os seguintes aspetos: governo republicano; descentralização administrativa (em municípios e províncias ultramarinas); direito de voto para cidadãos maiores de 21 anos — homens alfabetizados e mulheres habilitadas com curso secundário (a Lei Eleitoral aprovada em 1913 seria bem mais restritiva, pois excluiu mulheres, militares no ativo, membros dos corpos da polícia cívica e também condenados por crimes de conspiração contra a República); reconhecimento da liberdade de expressão e de culto, porém, proibição da Companhia de Jesus e de outras ordens e congregações religiosas no território português; direito à propriedade; liberdade de comércio e indústria, mas interdição de monopólios; ensino primário gratuito, livre e laico; gratuitidade da assistência pública e da justiça; proibição do trabalho a menores em idade escolar; igualdade de direitos na família, entre homem e mulher; distribuição dos poderes políticos por três órgãos de soberania independentes: poder legislativo (Assembleia Nacional composta por duas secções: a primeira secção integrava representantes eleitos de todos os municípios do continente e ilhas adjacentes, bem como das províncias coloniais; a segunda secção incluía representantes das classes profissionais, institutos científicos e instituições do ensino superior), poder executivo (Governo chefiado pelo presidente da Assembleia Nacional) e o poder judicial (Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de primeira e segunda instância). Por conseguinte, este projeto constitucional machadista excluía a figura de um presidente da República e instituía um parlamento bicameralista de pendor corporativista.

Os primeiros governos constitucionais

Entretanto, o «bloco» afeto a António José de Almeida e a Brito Camacho conseguiu eleger o advogado e republicano histórico, Manuel de Arriaga, primeiro presidente da República. E este haveria de nomear os primeiros governos constitucionais, os quais tomaram posse após a aprovação da Constituição, ocorrida a 21 de agosto de 1911. Note-se que estes governos foram aprovados pela Assembleia que votou a nova Constituição e não por um Congresso da República que deveria ter nascido de um novo sufrágio. 

Sobretudo por isso, estes governos foram demasiado precários, porquanto estavam feridos de legitimidade, não resistiram às desavenças e rivalidades ocorridas entre as fações (afonsistas, almeidistas, camachistas, machadistas e socialistas) reunidas no Congresso da República e também não sobreviveram aos violentos confrontos populares que explodiam na rua. 

MS contribuiu para essa instabilidade, porque desancou nos sete primeiros governos constitucionais que governaram entre agosto de 1911 a janeiro de 1915 (presididos, sucessivamente, por João Chagas, Augusto Vasconcelos, Duarte Leite, Afonso Costa, Bernardino Machado, dois governos, e Vítor Hugo de Azevedo Coutinho) e censurou quase todos os governos seguintes. Sustentou, então, que nenhum ministro do Governo Provisório devia integrar os novos governos. Protestou contra as sucessivas individualidades nomeadas pelo Presidente da República, argumentando que pertenciam ou estavam reféns das fações democrática, unionista ou evolucionista e dos seus dirigentes. Contestou a intrusão dos militares e civis afetos ao Partido Democrático (leia-se PRP) nos processos de destituição e nomeação de militares («Movimento das Espadas», janeiro de 1915). Chegou a vaticinar a falência do parlamentarismo, que equiparou a uma «gaiola de papagaios», e ainda se envolveu em conspirações sucessivas dispostas a derrubar os governos pelas vias legais ou mesmo por processos revolucionários. 

Foi particularmente inflexível na oposição aos três governos de Afonso Costa (1913-1914; 1915-1916; 1917): sustentou que o superavit obtido por Afonso Costa (no orçamento de 1913-14) era uma «fraude»; classificou o seu executivo como um governo de «terror», escorado nas milícias populares armadas da Formiga Branca, afetas ao Partido Democrático de Afonso Costa, que semeavam a violência, o insulto, a ameaça, a repressão, a censura e a prisão entre as oposições. Apelidou Afonso Costa como o «mais audaz, o mais inepto, e o mais imoral de todos os tiranos». E exigiu a sua demissão.

Foi acusado de estar implicado na intentona radical gorada de 27 de Abril de 1913 contra o primeiro governo de Afonso Costa. Num colérico debate ocorrido no parlamento, no rescaldo da rebelião (a 28 de abril de 1913), Afonso Costa moveu um processo de intenções contra MS e injuriou os militares e civis envolvidos nesta revolta — chamou-lhes «energúmenos sem patriotismo nem fé, ambiciosos sem escrúpulos nem pudor, que prostituíam nos lábios a palavra República». MS negou qualquer envolvimento no caso, mas saiu em defesa dos insurgentes, quando vociferou: «a muitos desses homens deveis as vossas carteiras parlamentares! Para esses homens a nossa pena, a nossa comiseração; nunca o nosso ódio, nem o nosso insulto!». Em dezembro de 1913, num longo discurso no parlamento, voltou a acusar o ministério de Afonso Costa de «tirania» e a defender os acusados do «27 de abril» que permaneciam encarcerados nos fortes de Elvas e de Angra do Heroísmo, sem terem sido julgados nem tão-pouco conhecerem os crimes de que eram acusados. 

Ainda em dezembro de 1913, com o auxílio da sua rede sociopolítica, começou a erguer o Centro Reformista, para contestar de modo mais organizado a hegemonia de Afonso Costa e dos «democráticos». Nesse mês, pressentiu que o Governo de Afonso Costa estava prestes a cair. Como acreditava ser o líder político nacional mais independente a o melhor a conciliar pensamento e ação, convenceu-se que seria convidado pelo presidente da República, Manuel de Arriaga, para presidir ao ministério seguinte.

Por isso, apresentou o seu programa político no parlamento e nas páginas do seu O Intransigente (15 e 16 de dezembro de 1913), de onde interessa respigar as seguintes ideias: amnistia geral e completa para todos os crimes políticos, visando a reconciliação da família portuguesa; demolição das penitenciárias e repressão do crime através do trabalho obrigatório; revisão das leis do Governo Provisório e da Constituição de 1911; reforma de todo o sistema tributário, para beneficiar os mais pobres; direcionar a corrente emigratória portuguesa para as colónias de África e criar aí aldeias agrícolas; desenvolver a marinha mercante nacional; instituir o sufrágio universal nas eleições legislativas; baixar as taxas do Registo Civil e de outros serviços de Justiça, para as colocar ao alcance dos mais pobres; mais autonomia municipal; liberdade de imprensa, de associação e de reunião; fomento da riqueza pública e revolução agrária.

Pela mesma altura, instigou um heterogéneo e assanhado movimento de opinião — integrado no seu Centro Reformista — que apelou à criação de um governo republicano suprapartidário, de «salvação nacional». A sua encarniçada ação oposicionista terá ajudado a forçar a demissão do primeiro Governo de Afonso Costa, em fevereiro de 1914.

A Primeira Guerra Mundial deflagrou em julho de 1914. MS assumiu uma posição titubeante relativamente à intervenção de Portugal na guerra. Em agosto de 1914, exigia que Portugal se colocasse «imediatamente» ao lado da sua «histórica aliada», a Inglaterra, e combatesse a Alemanha em África e na Flandres. Propôs o envio de 40.000 militares para a Bélgica e de 4.500 militares para Angola e Moçambique. E defendeu ainda o aprisionamento dos navios mercantes alemães refugiados em território nacional(sustentou este ponto de vista n`O Intransigente, em 1915, e confirmou o que antes tinha escrito, no seu livro, A Ordem Pública e o 14 de Maio, editado em 1916).

Mas, logo em outubro de 1915, converteu-se num aliadófilo hesitante. Descartava a possibilidade de Portugal participar no conflito. E sustentou que o país devia antes proclamar a sua neutralidade e ligar-se aos países neutros, para defender os interesses políticos, económicos e coloniais nacionais”.

Luís Filipe Torgal

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