Na última entrevista como presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, José Carlos Alexandrino confidenciou, hoje, que foi “feliz nestes 12 anos a servir os munícipes”. O grande incêndio, a pandemia, a morte da mãe e a luta contra um cancro foram para o autarca momentos “dolorosos”, mas valeu-lhe a “determinação” com que sempre enfrentou a vida. O homem que “fala com Deus” e que já sentiu “medo de morrer”, faz um balanço do trabalho feito na Câmara Municipal e partilha também as alegrias vividas com a recuperação de habitações destruídas pelo fogo e o apoio social dirigido aos oliveirenses. Contou que no futuro espera ser recordado como o “presidente do povo”.
“Fui feliz nestes 12 anos, sem dúvida nenhuma, a servir os munícipes. Não há nunca felicidade plena porque não conseguimos concretizar todos os sonhos e houve algumas coisas que não foram concretizadas, mas a grande maioria foi concretizada. Sou um homem feliz com o desempenho que tive com o meu executivo, onde todos remámos para o mesmo lado.
Tive a minha vida pessoal suspensa durante 12 anos, tal como o meu executivo todo, com uma dedicação, a 100 por cento ou a 200 por cento, à causa pública. Parto sem mágoa, com a sensação de que os insubstituíveis já morreram todos, não sou pessoa insubstituível, sou uma pessoa como qualquer outra.
Se um dia o povo oliveirense me recordar como um homem do povo, igual a qualquer um deles, é o maior elogio que me podem fazer.
O IC6 foi sempre uma bandeira. Sinto-me metade derrotado. É uma semi derrota, mas não assumo essa derrota por completo. Esteve sempre na agenda. E se vai ser construído, como eu acredito até 2025-2026, deve-se muito a nós nunca termos desistido e acharmos que era uma luta e fazer justiça a estes empresários de Oliveira do Hospital, Seia e Gouveia. O IC6 até Folhadosa é só uma meia solução, porque deveria ir até à A25, aproximando-nos do grande mercado ibérico. Foi uma luta dolorosa, que até me trouxe dissabores com o Primeiro- Ministro e o Ministro Pedro Marques, devido à minha maneira genuína de reivindicação.
O povo oliveirense já não acredita, mas sou daqueles que acredita de que valeu a pena todo esse esforço e sofrimento.
A adjudicação do projeto está em consulta pública. Decorre uma auscultação prévia. Tínhamos combinado assinar o auto de consignação em junho, mas as obras públicas são um verdadeiro calvário.
Temos a resolução do Conselho de Ministros, que é clara e, por isso, nós vamos ter o IC6 até Folhadosa.
O calendário das obras do Campus Educativo e da Zona Histórica nunca o aceleraria, porque teve a ver com negociações do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) e teve timings. Era preciso pensar a cidade. Nós lançámos um programa de vias e de desenvolvimento urbano, porque estamos a fazer a revisão do Plano Diretor Municipal. Acho que deixo bons alicerces para o que vai ser a cidade nos próximos 30 anos. Para mim é uma grande conquista. Não nos preocupámos só com o presente, mas com o futuro.
O Campus Educativo só existe hoje, porque meti uma verba de 300 mil Euros do Pacto e que me deixaram chegar às verbas do Quadro Comunitário a nível da Educação. Foi preciso antecipar. Tive uma visão. Também fui muito privilegiado em ter sido presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, e perceber os mecanismos dos dinheiros de Bruxelas e como é que se chega a eles.
Só tenho uma obra que fico com pena (de não inaugurar) que é a Casa da Cultura, que está quase pronta.
É um processo bastante doloroso, também teve alguns problemas com a empresa, mas também houve projetos de coisas, na parte antiga, que tiveram que ser remodeladas e que não estavam previstas, que obrigou a alguns concursos extra. Era uma obra que gostaria de inaugurar e era a única. A obra estava projetada para nove meses e já passam quatro anos. Há muitas coisas que correram mal neste processo. É a única obra de que sinto alguma mágoa interior de não a inaugurar. Mas, importante não é quem inaugura as obras, importante é que essas obras sirvam as populações.
O Campus Educativo é uma grande obra e há quem diga que o objetivo é fechar escolas, nada disso. Eu defendo a proximidade. Penso que a única escola que poderá fechar é S. Paio de Gramaços, porque fica entre Oliveira e S. Paio de Gramaços.
Senti-me impotente (no grande incêndio), com muitas noites de angústia, de incapacidade. O número de problemas era tão grande. Eu vi coisas dramáticas e, até, incapaz de legalmente resolver algumas situações. Eu estive sempre no incêndio. O comandante Camacho sabe que estivemos em perigo. Sou um homem de ação, que gosta de estar nas coisas quando elas acontecem.
Nessa noite, senti uma tristeza enorme quando me apercebi das mortes e, até hoje, nunca mais dormi como dormia até ao dia 15 de outubro. Nunca mais tive o mesmo sono, fui a um psiquiatra. Uma pessoa é humana, é frágil também. Lidar com aquela situação é de uma dor imensa.
Eu chamei os senhores presidente de Junta no dia 16, depois de uma noite de barba por fazer e completamente sem dormir, esfrangalhado e disse-lhe aqui que a história julgar-nos-ia por aquilo que eramos capazes de fazer, a partir deste dia 16 para frente, e não pelo que fizemos até ao dia 16.
A tragédia foi de tal dimensão que o sofrimento foi enorme. Não fui só eu que sofri, foi todo o executivo, a estrutura da própria Câmara que montámos. Eu cheguei a receber mais gente do que quando foi da Troika. Cheguei a receber 80 pessoas numa quarta feira e fomos encontrando soluções para essas pessoas.
A história da Leonor foi uma coisa que me marcou. Ela está viva, a mãe partiu. Uma menina mandou-me um peluche com um texto lindíssimo para entregar à Leonor em Coimbra. Consegui localizar a menina, falei com os pais e essa criança foi comigo a Coimbra. Este caso da Leonor talvez tivesse sido o que mais impressionou, pela sequência dos factos que levaram à morte da mãe. É uma coisa dorida. Assim como os dois jovens que morreram em Santa Ovaia.
Eu era uma pessoa muito ligada à minha mãe e aquele monumento também é dedicado à minha mãe. A minha mãe caiu no dia 3 de novembro de 2009, no dia em que tomei posse, fez uma fratura do fémur e nunca mais recuperou. Nestes 12 anos aconteceram-me muitas coisas. A minha mãe era muito próxima de mim, o meu pai já tinha falecido.
Tive pena de a minha mãe não ter percebido que eu tinha sido eleito presidente de Câmara.
Nenhum político em Portugal, ou nenhum de nós cidadão estava preparado para o que nos aconteceu. A primeira reação global é de medo. Medo de perder os nossos munícipes, as nossas famílias, os nossos filhos é um drama. Nunca nos faltou coragem a mim e ao meu executivo de estruturarmos programas ainda debaixo desse medo.
Eu sou católico. Quando falo com Deus, diz-me que me escolheu porque sabe que eu tinha características capazes de servir o povo o melhor sabia. Eu sempre tive coragem e nunca me escondi de nada, nem eu, nem o meu executivo. Formei equipas e tentámos fazer o melhor que foi possível. Tínhamos medo como qualquer pessoa. A primeira morte foi no lar de S. Paio de Gramaços e não sabíamos qual seria a dimensão. O número de mortes que tivemos foi sempre uma angústia.
Neste mandato, com a pandemia tivemos muitas angústias e deixámos de fazer muitas coisas por não percebermos qual é que seria a evolução. Fizemos uma temporização. Se as pessoas eram a nossa prioridade não podíamos avançar com obras físicas e não guardar o dinheiro para as famílias não passarem fome e para as nossas crianças terem todas as condições.
Os meus mandatos foram um bocado difíceis. O meu primeiro mandato está marcado pela tróika. No melhor mandato que é o de 2013/2017, atravesso um problema de saúde, com cancro da próstata. No mandato que eu tinha mais para me concretizar, aparece-me o cancro da próstata, fui operado. Tem corrido bem, também com uma grande determinação e uma grande coragem. Achei sempre que era capaz de o vencer. Fui operado, passados quatro dias estava a trabalhar, não aqui, mas estava na Biblioteca. Eu precisava de trabalhar, eu precisava de não pensar. Se estou em casa, no quarto a olhar para o teto e a pensar que vou morrer… pensei algumas vezes e tive medo como uma pessoa normal. Tive medo de deixar as minhas filhas, a minha esposa, os meus familiares. É natural ter receios… e nunca transpareci isso à minha equipa que também me ajudou muito. Sinto que a minha vida neste últimos 12 anos não foi muito fácil.
O nascimento dos meus netos foi uma grande alegria. A minha Francisca e o meu Zé Maria são as estrelas que me alumiam.
Ontem fui ao jardim zoológico com eles, para que um dia se lembrem que o avô os levou ao jardim zoológico e lhes mostrou algumas coisas. Foi giro e com a avó.
Tive muita alegria, também, quando vi pessoas com as habitações recuperadas. As empresas a recuperarem. Eu tive mais alegrias do que tristezas. Tive muitas alegrias neste percurso, de ajudar de forma anónima com a casa digna, o incentivo à natalidade, os medicamentos gratuitos. O que valorizo mais de tudo o que fiz foram as políticas sociais. Podemos ajudar com soluções fáceis.
Venho realmente da génese do povo. O meu pai era analfabeto, a minha mãe tinha a 3ª classe. Acho que herdei muitos genes da minha mãe. Quando começámos a viver melhor, muitos dos meus amigos comiam também lá em minha casa, nos tempos de maiores dificuldades. Tenho uma vida muita construída nessa mulher que foi a minha mãe, o meu pai não tinha tanto essa sensibilidade, mas foi um homem sempre muito trabalhador. Tenho orgulho imenso nos meus pais.
Eu acho que até tive sorte na vida. E não foi sorte em ser presidente da Câmara, foi em momentos nucleares da minha vida, em que houve ali qualquer coisa que me fez a diferença e me permitiu fazer este percurso, ser professor, ser presidente da escola…
Tivemos um grande desgosto quando tinha 12 anos, porque faleceu-nos um irmão de acidente, era o mais velho. Éramos quatro rapazes e faleceu num acidente de mota em Lagares da Beira, era mecânico. Foi uma grande tragédia e fez-me bastante ansioso, que contarei em livro.
Achei sempre que do outro lado está uma pessoa como eu, com os seus problemas. Acho que herdei isso da minha mãe que tinha essa essência social. Eu tenho também as rugas dela.
A melhor obra é o que fazemos por aqueles que mais precisam. Não quer dizer que não tenhamos consideração pelos que não precisam. Às vezes precisam só de uma oportunidade. Eu quando saí da quarta classe, fui trabalhar para fábrica de madeiras no Ervedal e estive um ano sem estudar. É aqui que falo de sorte, de como é que chego a professor e vou fazendo as minhas licenciaturas. Há aqui uma determinação. Mas se calhar tive mais oportunidades do que se calhar tiveram os meus irmãos. Dos três que ficámos, só eu é que estudei.
Se eu faço alguma coisa pelos outros, eu já fazia isso antes. Tenho uma placa em madeira que, pelo Carnaval, colocaram à minha porta, que diz: o advogado do povo, o povo tem sempre razão. Eu já era o advogado dos mais pobres e dos mais humildes. Tenho aquilo gravado religiosamente.
Sempre respeitei e ouvi a opinião dos meus adversários. Nunca governei a Câmara Municipal pelo facebook. Eu próprio só tenho o institucional. Devemos analisar as críticas e reajustar os caminhos, mas nunca foi a partir do facebook que governei. O povo votou em mim e no nosso projeto político. Na segunda eleição, o slogan mais usado pela oposição foi de que só sabia fazer festas e o povo deu-lhe a resposta nas urnas.
Nós traçámos uma estratégia para que Oliveira do Hospital fosse conhecida nível regional e a nível nacional. A estratégia da Feira do Queijo foi muito bem conseguida, foi ela que nos projetou e que deu a Oliveira do Hospital a visibilidade que hoje tem.
A EXPOH foi um projeto interessante, mas não era ainda o projeto que nós queríamos. Teria que haver maior investimento para maior retorno. Era importante a ligação à Indústria Têxtil e trazer empresários do mundo a Oliveira do Hospital. Era preciso uma nova visão.
A minha eleição para presidente da CIM tem muito a ver com um trabalho coletivo e não apenas do José Carlos Alexandrino. Tem muito ver como Oliveira do Hospital se afirmou. Eleger o presidente da Câmara de Oliveira não é a mesma coisa do que eleger o presidente da Câmara de Coimbra ou da Figueira da Foz. Este feriado municipal mostrou a relação que tenho com os outros colegas. Fizeram-me uma despedida em Mortágua.
Cantanhede que tem uma auto-estrada de um lado e do outro perdeu 6,6 por cento da sua população, Oliveira do Hospital perdeu 6,9 por cento. Podemos ver nos outros concelhos aqui à volta quanto é que perderem. Se Oliveira do Hospital não tivesse este executivo, se calhar teria 12 por cento (de perda) como têm outros concelhos aqui à volta.
Eles acham que eu sou genuíno, não sou de grandes discursos como escreveu Vítor Neves ainda há pouco tempo. Sempre disse aquilo que penso.
Eu gosto que as pessoas gostem de mim, mas eu também gosto das pessoas. Não tenho só amigos, porque que não tem inimigos não tem direito a ter amigos, na minha opinião.
Não saio zangado. Há um tempo para tudo. Sou católico e na religião temos que saber perdoar uns aos ouros. Nem todos nós fazemos bem. Há coisas que nos doem mais e que nos custam a passar, mas o tempo vai sarando as feridas. Já tive pessoas com que pensei que não falaria mais que, hoje em dia, falo. Mesmo àqueles que me foram traindo eu nunca desejei nada de mal, a não ser perderem as eleições. Essa é que é verdade. Não tenho esse fundo. Há coisas que me custaram bastante, mas ficou resolvido nestas últimas eleições.
Ninguém pode prometer o que é que é o amanhã de uma pessoa. Tive recentemente um convite para um cargo, já depois das eleições, que declinei, porque neste momento a minha prioridade não é a política. Neste momento, estarei concentrado na Assembleia e a tomar conta da minha vida pessoal e familiar. Acredito que o meu tempo político termina neste ciclo. Há um amanhã, e uma pessoa pode mudar de opinião, mas nesta fase não penso em qualquer cargo político. Estou a pensar gozar mais a minha vida familiar, tomar conta das minhas coisas. Ainda tenho algum tempo na Águas da Serra da Estrela não remunerado para acertar algumas coisas. Mas, se eu pudesse deixava já este cargo.
Nunca ninguém fez tanto pelo ambiente como nós. Há um concelho antes e há um concelho depois. Não é por acaso que o Continente, o Pindo Doce, o Aldi que agora se vai instalar, o Lidl que vai fazer um investimento na rotunda do empresário …
Acho que Oliveira do Hospital é muito mais atrativa.
Eu acredito no futuro do concelho de Oliveira do Hospital.
O que não disse e que posso dizer hoje é que as redes sociais também constroem ignorantes. Alguns fazem crónicas e escrevem aquilo que não sabem.
A Câmara Municipal sempre teve rigor financeiro e transparência. Eu nunca tive telhados de vidro. Tive não sei quantos inquéritos e foram todos arquivados. Eu e o meu executivo tentámos fazer sempre as coisas certas e houve um grande rigor e transparência e com diminuição da dívida.
Os vereadores que me acompanharam e a minha equipa foram uma família para mim, assim como a maioria dos funcionários”.