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Agora é que me livro!: «Planeio continuar a viver, para que possa escrever mais alguns livros», afirma José Macedo Silva

Esta semana, o programa adquire um outro formato e encontra o autor José Macedo Silva, que acaba de lançar o seu último livro, Gaudium et Spes. O autor cedeu-me uma entrevista e estive à conversa com ele sobre a sua atividade literária.

Continue a ler, para conhecerem mais sobre este autor!

Mafalda Correia (MC): José, seja bem-vindo e obrigada por me ceder esta entrevista!

José Macedo Silva (JMS): Obrigado, Mafalda, com todo o gosto.

MC: Quando surge a sua vontade de escrever?

JMS: A minha vontade de escrever não surge por um qualquer motivo romanceado, tipo acordei num belo dia após uma noite de sono reconfortante, com o sol a bater-me, de mansinho, no rosto por entre as cortinas da janela do quarto, ou inspiração mística semelhante à de S. Paulo, qual epifania no deserto, não aconteceu porque me encontrava aborrecido e, escrevi o meu primeiro livro (A Refeição Possível, ano 2012, ed. Luis Amorim Editions) com uma grade de cervejas e um tinto. O meu começo não foi nada especial e acredito que, quando abandonar a escrita, aí sim, será um dia muito especial, ficando com mais tempo, do meu ócio, para coisas mais importantes, quiçá, belas da vida. 

MC: Porquê escrever um livro tão singular (a começar pelo título)? Como surge a ideia?

JMS: Não vejo este livro como algo assim tão singular, ou melhor, penso que qualquer livro, desde que não resulte de um plágio, será, por si só, algo singular, “porque único”. Quanto ao título Gaudium et Spes, Alegria e Esperança em latim, resulta de uma necessidade de sarcasmo. O título é sarcasmo a uma “pastoral” da Igreja Católica, que teoriza sobre a mesma no mundo contemporâneo, refletindo esterilmente sobre a condição do Homem no mundo atual. Não há reflexão possível, se esta não for acompanhada de atos e ações. Tudo fica no papel, nada sai da folha A4, seja de índole religiosa ou mesmo secular, como por exemplo da má ficção, chamada Conselho de Segurança da ONU. Não acredito, vão perdoar-me, mas não acredito, hoje, na possibilidade de alegria e esperança. Custa-me acreditar que alguém se sinta alegre e esperançoso quando estamos, entre outras coisas, a “5 minutos da meia-noite” (relógio do apocalipse nuclear). Alegria e esperança são produtos fabricados por publicitários religiosos e psicanalistas de esquerda, vendidos à sorrelfa por entre relógios, jeans e micro-ondas, do Capital.

MC: Que temas aborda e porquê escolhê-los? Ou seja, breve descrição do livro para que os ouvintes o possam conhecer pelas suas palavras.

JMS: O livro é uma antologia de quatro textos.

O primeiro dos textos é Lausperene. Na Religião Católica, Lausperene é a exposição permanente do Santíssimo Sacramento. Aqui, neste texto, tentei expor contínua e tragicamente a psique, doente ou não (cada um decida), de um homem só e amargo, natural, demasiado humano, o homo miserabilis. e do “santíssimo sacramento” que é a sua vida/corpo social miserável.

Podemos afirmar que, este tema, assunto e objeto, em essência estará, com as devidas diferenças, presente nos restantes textos do livro. Na dialética hegeliana temos três momentos: tese, síntese e antítese. Quanto a mim, e numa analogia pobre com a filosofia do Mestre, na História do Homem considero a existência de outros três momentos, refletidos nos quatro textos mesmo que subliminarmente: homo sapiens, deste para o homo tecnologicus e, por fim o homo miserabilis, derrotado pelo realidade, (Futuro), a que, naturalmente, podemos chamar de evidência.    

MC: Como foi o processo de escrita/publicação?

JMS: O processo de escrita e publicação, muito resumidamente, foi uma seca. Sou um escritor de mecha curta. Não suporto ficar muitas horas com a cabeça enfiada na folha de papel. Como tal, acho que nunca escreverei um romance, mantendo-me apenas pela forma do conto e da novela. Quanto à publicação propriamente dita, desde a revisão do texto, a escolha da capa, uma nota aqui e acolá, mais isto e aquilo, é toda uma amálgama burocrática necessária, mas irritante.

MC: Que reações estão a ter os leitores?

JMS: Ainda é cedo para falar disso. O livro é uma criança. Saiu no Verão, e no Verão os muito poucos que ainda lêem, num país inculto como Portugal, que ainda se dão a esse saudável trabalho, preocupam-se mais em estar numa praia qualquer do Sul do que propriamente andar atrás de novidades literárias, mesmo que o título seja, enganadoramente, alegria e esperança, que não é, o livro está em antinomia relativamente ao seu título. 

MC:O livro resulta de uma publicação da Amazon. O que nos pode dizer sobre este género de publicação?

JMS: O livro resulta de uma publicação da Amazon, mas não só. É possível adquiri-lo, fisicamente, através do sítio da editora Edições Hórus, e mais à frente julgo que estará nas prateleiras de algumas livrarias conhecidas do mercado. Quanto a publicações online, como esta, refletem o futuro do mundo dos livros, goste-se ou não. Repare, há milhares de anos escrevia-se sobre o papiro, os Vikings tinham as runas, agora temos o “online” para quase tudo e mais alguma coisa, como por exemplo, para esta entrevista. 

MC: Como descreveria este livro?

JMS: Muito sucintamente, não é “literatura de cordel”, não será uma leitura fácil, com alguma exigência/grau de atenção, despida de preconceitos e de politicamente correto. Numa comparação com o cinema, se me permite, diria que este livro estará mais “próximo” de uma película do húngaro Béla Tarr.

MC: Planeia continuar a escrever?

JMS: Acima de tudo, planeio continuar a viver, para que possa escrever mais alguns livros. Não muitos, mais alguns, vou no quarto.

MC: Se pudesse ir jantar fora com um escritor, vivo ou não, quem seria e porquê?

JMS: Charles Bukowski. Porque escatológico, melodramático, cínico, marginal e marginalizado, anti-académico, anti-social. 

MC: Quais são os livros da sua vida?

JMS: Os livros da minha vida, é difícil. Seria mais fácil enumerar os livros da “minha morte”, mas pronto. Ora, os livros da minha vida são: A Ideia Perigosa de Darwin, de Daniel Dennett, O Último Messias, de Peter Wessel Zapffe e O Amor é um Cão dos Diabos, de Charles Bukowski.

MC: Caro José, quero agradecer-lhe por me ter cedido esta entrevista e desejo-lhe muito sucesso.

JMS:Termino agradecendo sinceramente esta oportunidade, de entrevista, estimando que alcance tudo o que deseja, mesmo num mundo com pouca “alegria” e sem “esperança”.

O Agora é que me livro! é transmitido na Rádio Boa Nova à quarta-feira, às 21h, e aos sábados, às 9h. Pode, ainda, ouvir o programa sempre que desejar no website da Rádio, no Spotify ou nas restantes plataformas de áudio.

Fique bem, fique com os livros!

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