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A mulher Oliveirense: numa encruzilhada entre a mão de obra especializada e a desaceleração mundial da economia da moda

Na segunda-feira tive um encontro fortuito com um amigo que deambula profissionalmente entre Barcelona, Lisboa e o Funchal e, de forma entusiástica, partilhou os seus planos de visitar Oliveira do Hospital para comprar mais fatos pelo facto de, parafraseando-o, só utilizar “fatos de qualidade” – uma afirmação que ressoou profundamente comigo. Este pequeno reencontro levou-me, na viagem de regresso a casa, até esta reflexão sobre este setor tão relevante em Oliveira do Hospital, a sua qualidade e nível de especialização dos serviços disponibilizados e, em especial, uma preocupação sobre a exposição aos choques internacionais desta indústria.

A indústria têxtil transformou socialmente e economicamente a região de Oliveira do Hospital e possibilitou, nestes últimos 50 anos, que milhares de mulheres abandonassem trabalhos relacionados com a vida doméstica e a atividade primária, e ganhassem através do seu trabalho alguma independência económica, como referiu sobriamente o senhor Carlos Brito, fundador da histórica empresa Oliveirense Davion, neste artigo para a Rádio Boa Nova.

Isto foi possível através do espírito empreendedor ímpar de homens e mulheres que construíram economicamente a nossa região e aos quais a minha geração deve ser grata. A minha geração é fruto do legado desses industriais e da dinâmica económica da região, e se é hoje das mais qualificadas de sempre (em 2021 12,1% de população Oliveira do Hospital possui ensino superior em contraste com 7,3% de 2011), isso deve-se a esta transformação e empoderamento económico das famílias e, naturalmente, ao papel da escola. Mas não tenhamos ilusões, o futuro dos territórios do interior só será assegurado com uma economia robusta e diversificada, capaz de atrair e fixar pessoas com melhores oportunidades de emprego – inclusive no setor têxtil.

No entanto, à medida que a economia mundial da moda enfrenta uma desaceleração, as repercussões são sentidas em todo o setor têxtil português. O aumento da concorrência global, os custos de produção, a volatilidade dos mercados e as mudanças nos padrões de consumo têm colocado pressão sobre as empresas do setor têxtil, especialmente as de menor dimensão, que muitas vezes são a espinha dorsal das economias locais, como é o caso da nossa região.

É evidente aos olhos de todos a importância do setor na região e isso é claro num relatório do Gabinete de Estudos Económicos de 2021, onde é constata que o CAE da indústria de confeção é o segundo maior empregador do concelho, apenas ultrapassado pelo setor da construção. Além desse facto, nos censos de 2021 são identificadas 8.344 pessoas ativas (empregados e desempregados), desse número, 4.059 são trabalhadoras, o que representa quase 50% da força de trabalho do concelho e, como é óbvio, com uma grande predominância no setor têxtil. Existe uma clara ligação histórica entre as mulheres Oliveirenses e o setor têxtil, com impactos sociais e económicos enormes cada vez que ocorrem crises no setor.

Infelizmente as recentes notícias públicas sobre a situação de algumas empresas históricas do concelho de Oliveira do Hospital tornam evidente que se avizinham tempos sombrios no setor têxtil da região e, por consequência, tempos difíceis para as mulheres do concelho de Oliveira do Hospital. Todos nós que nascemos e crescemos na região reconhecemos a relação umbilical entre a “fábrica” e muitas mulheres da nossa região. Todos nós temos familiares, amigas ou pessoas próximas que heroicamente dedicam ou dedicaram uma vida de trabalho, num ambiente de laboração exaustivo, repetitivo e acelerado, a produzir vestuário de qualidade para todo o mundo. E todos nós devemos, agora mais do que nunca, valorizar esta mão de obra superespecializada que existe em Oliveira do Hospital e reforçar o seu papel social e económico importantíssimo para a região.

Não há soluções milagrosas, únicas e muito menos fáceis, mas como tem acontecido nas anteriores crises do setor, a resiliência e a capacidade de adaptação dos empresários e trabalhadores têxteis são evidentes, assim como o potencial para a inovação e a diversificação dos produtos. Olhar para o futuro é pensar necessariamente na sustentabilidade ambiente e social, na redução de desperdício e na economia circular, em materiais mais eco-friendly, na personalização e costumização e, especialmente, em tirar proveito da tecnologia disponível para aumentar a eficiência ou promover a sua integração nos têxteis. As empresas que conseguirem abraçar essas tendências e responder de forma ágil às mudanças no mercado estarão bem posicionadas para prosperar num cenário cada vez mais competitivo.

Desenganem-se os que pensam que estes desafios serão exclusivos apenas deste setor. A economia portuguesa deve assumir um novo paradigma, passando de uma economia maioritariamente de serviços para uma economia que cria os seus próprios produtos e os vende em todo o mundo, e isso é aplicável a todos os setores de atividade. O novo ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, liderou um estudo onde a equipa efetuou uma análise interessante sobre a economia portuguesa e defenderam, e bem na minha perspetiva, a “transição do paradigma made in para o paradigma created in, baseado no conhecimento e nas qualificações e onde a inovação ocupa um lugar central no processo de criação de riqueza”.

Para construirmos esse futuro melhor precisamos de todos. Das costureiras habilidosas e restantes trabalhadores têxteis com um know-how extraordinário, precisamos das novas gerações qualificadas e criativas e, claro está, da fibra empreendedora dos empresários Oliveirenses. Neste futuro, ninguém é dispensável para a nossa região.  

Alexandre Henriques  é licenciado e mestre pela Universidade de Coimbra, iniciou a sua vida profissional na Administração da Universidade de Coimbra e nestes últimos anos trabalhou como especialista em transformação digital do Estado na Estrutura de Missão Portugal Digital. Neste momento é responsável de equipa de customer experience numa instituição pública.
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